Ontem, o embargo da China à carne bovina do Brasil completou 50 dias, ao longo dos quais houve tentativas mal-sucedidas do Ministério da Agricultura de desatar esse nó. Em um cenário de incerteza sobre quando o maior importador da carne brasileira os chineses compram mais de 60% do total das exportações da proteína feitas pelo país reabrirá seu mercado, a cotação do boi gordo já caiu 14,3%.
Em 3 de setembro, último dia útil antes do embargo, o preço da arroba estava em R$ 305,50, segundo levantamento da Scot Consultoria; na última sexta-feira, a cotação já havia recuado a R$ 262 em São Paulo. No entanto, a desvalorização do animal vivo ainda não chegou às gôndolas dos supermercados, onde o preço da carne está, em média, 1,8% acima do patamar pré-bloqueio, de acordo com o levantamento.
Nesses 50 dias, a barreira comercial chinesa não foi o único percalço no mercado da carne bovina. Segundo a analista Jéssica Olivier, da Scot, a oferta de animais terminados em confinamento cresceu, o que exige aceleração nas negociações. “Com a chegada das chuvas, a capacidade de ganho de peso dos animais diminui um pouco, então o pecuarista precisa vendê-los”, diz.
Estabilidade à vista
O aumento da oferta deve ser enxugado nos próximos 15 dias, acredita a analista. O ritmo de queda do preço boi tem diminuído, indicando que a arroba pode se estabilizar e, depois desse intervalo, até aumentar, de R$ 5 a R$ 6. “Mas não acredito que seja algo muito positivo [para os preços]”, avalia.
Na contramão da matéria-prima, a carne bovina vendida no atacado paulista subiu 4,46% entre os dias 1º de setembro e 20 de outubro, passando de R$ 31,93 para R$ 32,79 o quilo. Os cortes traseiros (onde ficam, por exemplo, a picanha e o filé mignon) puxaram esse avanço: nesse intervalo, eles subiram 6,2%, de R$ 34,27 para R$ 36,41 por quilo. Já os cortes dianteiros, onde estão as carnes magras que a China mais consome, passaram de R$ 23,72 para R$ 23,13 por quilo, um declínio de 2,5%.
Com a alta de 1,8% nesse período, os preços no varejo em São Paulo foram de R$ 42,90 para R$ 43,67 o quilo. Os varejistas têm procurado recuperar um pouco suas margens operacionais, pressionadas pela alta da arroba do boi nos últimos meses. Para a analista da consultoria, ainda deve demorar um pouco até que a queda dos preços da carne bovina chegue efetivamente ao consumidor final.
Com a extensão do bloqueio chinês, as perdas da pecuária se avolumam. Segundo cálculos do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac) feitos com base em relatórios de exportação da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), os prejuízos à pecuária brasileira chegam a US$ 10,4 milhões por dia útil sob embargo. Para Mato Grosso – Estado que registrou um dos dois casos atípicos do mal da “vaca louca” que levaram à interrupção das vendas aos chineses -, a perda é de US$ 4,4 milhões, calcula o Imac.
Clima de incerteza
O clima de incertezas tem afetado os pecuaristas e a indústria, que vem intercalando os dias de abate e reduzindo as compras de animais até ter certeza de que a China voltará a importar, conta Jéssica Olivier. Os negócios esfriaram em diversos elos da cadeia. Com menos compras de animais de reposição, os preços do bezerro caíram 3,7% entre 2 de setembro e 21 de outubro, para R$ 2.600 por cabeça, segundo a Scot.
“Ninguém sabe como será daqui para frente, qual será o novo patamar da arroba do boi, para que se faça o ajuste em toda a cadeia”, diz a analista. “Ninguém vai querer comprar um bezerro muito caro”. Ela lembra que, com a alta da arroba, os pecuaristas vinham retendo fêmeas para produzir bezerros. “Os agentes consultados nos dizem que está tudo parado no campo”, afirma.
Fonte: Valor Econômico