Especialistas e empresas de nutrição animal reconhecem o momento de baixa por causa do ciclo pecuário, mas reforçam que custos menores de produção exigem tecnologia, gestão de risco, melhora das técnicas e decisão certa a cada momento.
“O ano típico na Agropecuária é sempre um ano atípico. Não há moleza”. A expressão bem humorada do agrônomo e comandante da Scot Consultoria, Alcides Torres, resume bem o ano desafiador enfrentado pela carne bovina brasileira.
Depois de cinco meses, o mercado nacional e internacional aponta dados complexos. O pecuarista brasileiro precisa hoje do dobro de arrobas para comprar um bezerro, sofrendo com mais um tradicional ciclo da atividade. O preço do boi gordo está baixo assim como o consumo da proteína no mercado interno.
E o embargo da China imposto pelo caso de mal da vaca louca já ficou para trás, mas não trouxe ainda aumento das vendas externas e prêmios mais robustos pelas melhores carcaças.
Por outro lado, os valores de soja e milho caíram bastante, assim como outros insumos importados devido à baixa do dólar.
“No confinamento, o custo de produção caiu mais do que o preço final. Por isso, a conta ainda fecha e a atividade deve manter-se bem. Basta usar a gestão de risco para garantir resultados. Nas outras áreas, contamos com exportações em torno de três milhões de toneladas, o que ajuda bastante no estoque, mas o produtor precisa ser rápido na decisão. É a lógica do mundo capitalista. Não adianta ficar torcendo pelo preço. É um índice ditado pelo mercado”, analisou o tarimbado consultor.
“A melhora no poder de compra dos brasileiros, com recuperação nas vendas de carne bovina no país, é necessária para um aumento do consumo. O que, por tabela, alavancaria os investimentos das fazendas na nutrição mais qualificada dos animais. Já a pecuária leiteira vem tendo uma boa performance, com preços sustentados ao longo dos últimos meses”, analisou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (Asbram), Juliano Sabella.
Os dois profissionais comandaram um dia de debates sobre as perspectivas do mercado, durante a última reunião da entidade que representa o segmento de suplementação mineral dos rebanhos brasileiros. No encontro, Torres afirmou que o pecuarista brasileiro precisa enfrentar a realidade de que atualmente terminamos bem o boi, mas tratamos mal a cria, com taxas de prenhez muito baixas.
“Temos muito o que avançar em níveis de reprodução e técnicas de produção. O bezerro está aumentando de preço e peso. Temos que alterar a forma de comercialização. Vender bezerro por quilo, como é feito em alguns locais dos estados do Sul do Brasil. Se não for possível, usar a recria para valorizar os investimentos. Tem gente que paga mais pelo bezerro de qualidade. E a venda de sêmen explodiu, o que vem melhorando a qualidade do gado. Temos um mercado a explorar nesse sentido”, aconselhou.
Todos são unânimes em enxergar a atualidade como um dos momentos mais desafiadores da pecuária nos últimos quinze anos. O Brasil é um país pecuário há mais de um século, trouxe o Zebu da Índia, cultivou os capins africanos e adotou a suplementação alimentar moderna. Fez o setor progredir e tornar-se o maior exportador de carne vermelha do planeta. Mas não pode temer as grandes revoluções que tem pela frente.
“O ciclo pecuário é o mesmo. Quando há abate de fêmeas, o preço da carne cai. Quando há retenção das matrizes, o preço da carne sobe. Logo, os preços só devem reagir bem em 2024 e 2025. Logo, é o momento exato de usar tecnologia. Investir. Veja, a última grande revolução do nosso boi foi a China pedindo animais de 30 meses. Provocou a produção de animais precoces. E o que salvou a pátria nesses anos todos foi a exportação. E a China, que, sozinha, ficou com um quinto da nossa produção em 2022. E em 2023 já é responsável por 17% de nossos embarques, mesmo com embargo”, apontou Torres.
Uma postura apoiada pelo diretor de Negócios da Trouw Nutrition, Francisco Olbrich. “Acredito nessa estabilização do confinamento neste ano, e, ao mesmo tempo, que o ciclo tradicional da pecuária deva ficar mais curto devido aos investimentos realizados pelos pecuaristas ao longo do tempo. Agora, ficar assustado com variações tão bruscas como vêm ocorrendo no mercado é até normal. Mas precisa gerar boas decisões e controle total dos custos”, indicou.
Realmente, instabilidade parece ser uma palavra que chegou de vez ao mundo das carnes. Após um surto internacional de Peste Suína Africana, agora é a vez da gripe aviária, que atinge as granjas de carne de frango e ovos de dezenas de países.
Se chegar ao Brasil, pode deprimir ainda mais o preço do milho. Mesmo com a voracidade das usinas de etanol e óleo pelo grão. “Não tem navios buscando milho brasileiro. Não tem exportação programada para o grão. E a supersafra não tem armazéns suficientes para guardar a colheita. Eu tenho silos, mas uso pouco por causa da diferença entre os custos e os juros atuais, de mais de 13%”, apontou o presidente da Vaccinar, Nelson Lopes.
O brasileiríssimo frigorífico JBS, o maior do planeta, informa que o nosso boi representa hoje apenas 16% de seus negócios mundiais. “Já os norte-americanos podem ter problemas para alimentar o gado. Por causa de milho e feno. E, atualmente, estão vendendo muitas vacas”, acrescentou o mentor na Matsuda Group, Fernando Carvalho.
Outro movimento que ganha corpo é a habilitação de mais frigoríficos brasileiros para vender à China, o que pode redundar no fim dos prêmios pagos por animais precoces. “De qualquer maneira, o Brasil permanece, e será assim nas próximas décadas, como elemento chave no fornecimento de alimentos ao planeta. O déficit de até 40% na armazenagem de grãos é um problema. Mas já existem inúmeros grupos do exterior anunciando a construção de unidades por aqui. Sem falar que soja e milho baratos é ruim para quem vende, mas é bom para quem compra. O empresário rural precisa de velocidade na decisão depois de analisar o panorama e fazer as previsões.
Tudo muda de forma muito rápida. Não dá para tirar os olhos do clima e das safras agrícolas do Brasil, da Argentina e dos Estados Unidos. A reposição e o boi gordo devem seguir com cotações em queda. Porém, os custos da safra 2023 – 2024 devem ficar relativamente acomodados e a exportação de carne bovina deverá ter bom desempenho. Com gestão de risco, é possível ter bons resultados neste ano”, concluiu Torres.
“Nosso cenário econômico está meio turbulento, com índices inconsistentes. Não estamos bem, mas poderíamos estar pior. De qualquer maneira, o agronegócio tem previsão de avançar no mínimo 8% em 2023. Pode ser um bom sinal para as indústrias de suplementos minerais recuperarem parte do recuo que ocorreu depois do período histórico de 2021 até metade do ano passado”, completou Felippe Cauê Serigatti, professor de Economia na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (GV Agro) e coordenador do Painel de Estatísticas da Asbram.
Fonte: Assessoria Asbram