Mas decreto sanitário não propõe soluções para perdas na indústria frigorífica, que pratica deságio no abate afetando a renda do produtor
Nessa segunda-feira (1/3), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou uma nova Instrução Normativa, a 121. Em meio à pressão de pecuaristas, a pasta decidiu paralisar, pelo prazo de 1,5 ano (18 meses), o Decreto nº 10.468, publicado no dia 19 de agosto de 2020. A instrução se refere a cistos detectados no momento do abate.
De lá para cá, a resolução deu 194 dias – pouco mais de seis meses – de dores de cabeça e muitos prejuízos aos pecuaristas, ao ver sua produção de bovinos requalificada na indústria frigorífica. Isso porque, pela nova norma, a fiscalização da cisticercose bovina se tornou mais rigorosa. A doença parasitária é causada pelo verme tênia e é transmitida do homem para o bovino. Os bovinos pegam a doença ao ingerir água ou alimentos contaminados por fezes humanas.
“É uma bomba-relógio esse decreto. Simplesmente a postergação para daqui 18 meses não quer dizer que vai aliviar a situação. Pelo contrário, a cadeia precisa se preparar muito para poder enfrentar a volta desse decreto”, diz o médico veterinário Enrico Ortolani, professor titular da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP) e colunista da Revista DBO.
Mais rigor e prejuízo
Pelas regras anteriores ao decreto, se fossem achados poucos cisticercos mortos (uma espécie de bolsa onde se desenvolve a larva da tênia) o pedaço da carne era retirado e a carcaça estaria liberada. Pela nova regra, o Decreto nº 10.468, se for encontrado apenas um cisticerco morto, toda a carcaça deve ir para um tratamento térmico. Esse procedimento, além de ser custeado pelo produtor, pode derrubar pela metade o preço da arroba da carcaça. Ortolani ouviu alguns relatos de perdas de até R$ 600 mil entre os produtores.
O pesquisador foi o convidado do programa Revista DBO Em Foco, que foi ao ar na última quinta-feira (25/2). O programa traz sempre convidados que participaram de reportagens e artigos publicados na revista. Na edição do Anuário DBO 2021, no artigo “A bola da vez de 2020”, Ortolani discorre sobre os efeitos da cisticercose no setor.
Para ele, decreto algum poderá resolver a situação da doença se não for elaborado um plano de erradicação da zoonose, como já é feito para o controle da febre aftosa, brucelose e tuberculose em bovinos. A cisticercose, apesar de não ser letal ao ser humano, passou a ser tratada como uma grande vilã pelo Mapa, pelos prejuízos que traz ao setor.
Os passos para erradicação
Para Ortolani, se o que se quer é eliminar a doença, o governo deveria traçar um plano de longo prazo e criar um sistema de cooperação, incluindo nessa tarefa o Ministério da Saúde.
“O homem é o centro dessa doença. É ele quem a dissemina. Existe no Brasil em torno de seis milhões de pessoas com cisticercose, que estão contaminando o ambiente e fazendo com que surjam casos nos bovinos”, explica.
Para o pesquisador, esse trabalho tem de ser bem claro e de longo prazo, envolvendo a comunicação aos produtores rurais, treinamento de fiscais veterinários estaduais, programas governamentais de tratamento adequado de água e esgotos, e programas de vermifugação de populações possivelmente infectadas, além de estímulo pela pesquisa em busca de novas moléculas de vermífugos para o tratamento da doença. Todo esse trabalho poderia ser facilmente iniciado a partir das análises dos relatórios que o próprio Mapa tem dos frigoríricos.
“O Mapa faz pouco uso desses dados dos frigoríficos. Por esses dados, o País pode ter uma ideia de onde está ocorrendo mais essa doença, e em quais fazendas”, diz o pesquisador. Em vez disso, a sentença é para que o produtor se adeque às regras nos próximos 18 meses como, por exemplo, certificar-se que os animais não estão tomando água ou comendo pastagem ou ração contaminadas por ovos de tênia. Um trabalho que, segundo Ortonali, só com a água, envolveria todo um tratamento complexo. No entanto, não há nenhum plano ou apoio oficial à caminho.
Fonte: Portal DBO