Sem sustos e solavancos mais severos à frente, a probabilidade de o país colher em 2023 uma safra histórica, superior a 300 milhões de toneladas, é grande.
Entretanto, mesmo com as perspectivas relativamente otimistas, em que a colheita de soja e milho será mais uma vez o carro-chefe, o cenário internacional se tornou um tanto mais nebuloso desde setembro, com agravamento do conflito entre Rússia e Ucrânia e acirramento dos atritos geopolíticos envolvendo Estados Unidos e China, o que pode trazer impactos para o mercado de grãos e carnes.
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Entre as preocupações dos produtores estão ainda os custos dos insumos, que se mantêm elevados, comprimindo as margens de lucro, a rede de armazenagem, que não tem conseguido acompanhar o avanço da produção, e o fenômeno climático La Niña, produzido pelo esfriamento das águas do Oceano Pacífico, que poderá ainda ter algum impacto sobre as colheitas.
As primeiras estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam a produção de quase 312,4 milhões de toneladas na safra 2022/23, o que significaria um avanço de 15,3% em relação à colheita anterior, ou quase 41,5 milhões de toneladas a mais, com alta de apenas 3% na área plantada. A previsão considera uma elevação de 12,1% na produtividade média, com recorde de 4.079 quilos por hectare.
As questões climáticas, que derrubaram a produção no Sul no início do ano, fazendo o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio cair 2,48% no primeiro semestre, segundo acompanhamento conjunto do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Esalq/USP e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), não podem ser negligenciados.
“Estamos caminhando para o terceiro ano de La Niña, que provavelmente deve ser menos severa, já que vai encontrar o solo com teor maior de umidade”, pondera Felippe Serigati, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (GVAgro). “Ainda assim, não se deve acreditar que o setor vá conseguir atravessar a safra com produtividade no topo.” Algum ajuste ainda terá que ocorrer e “isso naturalmente vai se refletir nos preços”, avalia Serigati.
Até o momento, o plantio segue em ritmo mais acelerado do que a média das cinco últimas safras em Mato Grosso, que concentra cerca de 29% da produção brasileira de grãos. Segundo Cleiton Gauer, superintendente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), até o fim da terceira semana de outubro, os produtores já haviam semeado em torno de 67% da área prevista para a soja, ligeiramente abaixo dos 68,7% anotados em igual período do ano passado, mas muito acima da média histórica, ao redor de 42,4%. Em todo o país, diz Luciano Souza, diretor comercial da ADM América Latina, o plantio de soja já havia ultrapassado, em outubro, 30% da área esperada, diante de 23% nos cinco últimos anos.
“O ciclo de plantio de milho na safra 2022/23 também está indo bem e em linha com a média dos últimos cinco anos”, diz Souza. Na sua avaliação, os níveis tecnológicos aplicados ao plantio mantêm-se elevados e “o mercado brasileiro no geral conseguiu se abastecer bem de fertilizantes, defensivos e demais insumos, o que gera boa perspectiva de colheita e produções recordes”.
“Tudo o mais constante” e desconsiderando o “Imponderável de Almeida”, nas palavras de Serigati, o agronegócio tende a continuar injetando dinamismo nas regiões onde sua presença é predominante, “especialmente se conseguir colocar no mercado toda a produção esperada para o próximo ciclo a preços razoáveis”. Depois de “dois ou três anos de resultados espetaculares”, na descrição de Guilherme Bellotti, do Itaú BBA, as margens de rentabilidade dos principais grãos tendem a retomar níveis históricos na safra 2022/23, mantendo-se ainda positivas.
A tendência de arrefecimento nos preços da soja e do milho, com recuos entre 3,3% e de 7,2% na média esperada para o ano agrícola e custos de produção mais elevados vão derrubar as margens operacionais para algo em torno de R$ 3.438 por hectare no caso da soja e para R$ 2.741 para o milho. A queda em relação ao ciclo 2021/22 tende a ser mais pronunciada para a oleaginosa, numa redução de 39,3%, com o milho anotando baixa de 29,7% na mesma comparação.
O custo agrícola, estima Bellotti, chegou a variar entre 38,3% e 35,3% entre a safra em curso e o ano agrícola encerrado em junho, respectivamente para soja e milho, atingindo, na mesma ordem, R$ 4.827 e R$ 3.851 por hectare. As variações médias, no entanto, não conseguem capturar as pressões enfrentadas no setor de fertilizantes, por exemplo, agravadas pelo conflito no Leste Europeu. “Os preços quase triplicaram”, relembra Bellotti.
Incluindo o frete, a tonelada de fosfato monoamônico (MAP) colocada no navio, sem custos de seguro e de desembarque, havia acumulado alta de 118% em 12 meses até maio, atingindo US$ 1.350, com salto de 242,5% para o cloreto de potássio e de 168% para a ureia, com a tonelada chegando, respectivamente, a US$ 1.250 e US$ 1.100.
A experiência das safras anteriores, quando os preços foram travados mais cedo, em contratos de venda antecipada e de troca por insumos, mas experimentaram altas na sequência, segundo Bellotti, tem reduzido a velocidade na negociação da safra atual. De acordo com Gauer, o aumento nos custos tem igualmente contribuído para desacelerar a comercialização da safra, assim como o nível elevado de capitalização do produtor, que permite segurar o fechamento de contratos de troca de grãos por insumo. Até o início de outubro, em Mato Grosso, 28,7% da soja esperada e 16,5% do milho ainda a ser plantado já haviam sido negociados, o que se compara a 40,9% e 32,8%, respectivamente, em igual período da safra passada.
O ritmo mais lento também é uma realidade no restante do país, segundo Luciano Souza, da ADM, com perto de 15% da soja já negociados, frente a 25% na média dos últimos cinco anos. Diante de preços até o momento abaixo dos valores médios alcançados em 2021/22 e insumos mais caros, os produtores “aguardam níveis de preços melhores para a soja e milho”, buscando uma relação de troca mais favorável. A cautela justifica-se já que, em seu raciocínio, a expectativa de uma colheita recorde tende também a encarecer os fretes internos, “o que poderia comprometer parte da rentabilidade”.
O atraso relativo na comercialização pode gerar, mais à frente, uma concentração no fechamento de contratos e na desova da safra, pondera Serigati, pressionando ainda mais a logística num ano de safra “muito robusta”, na descrição de Ricardo Jacomassi, economista-chefe e sócio da TCP Partners. A oferta recorde “vai exigir esforços enormes da cadeia de insumos, principalmente de fertilizantes, e do sistema de armazenagem”, antevê Jacomassi, antecipando-se um descasamento ainda mais acentuado entre a oferta de grãos e a capacidade estática dos armazéns. Essa diferença já veio se alargando diante de um aumento de 63% na produção de grãos, que saltou de 166,17 milhões para 270,87 milhões de toneladas entre 2012 e 2022, enquanto a capacidade de armazenagem, nos dados da Conab, crescia apenas 25%, saindo de 145,42 milhões para 181,84 milhões de toneladas.
Fonte: Valor Econômico