Mercado do boi gordo deve se mostrar mais desafiador em 2021 do ponto de vista da demanda doméstica
O ano de 2020 se mostrou muito favorável para os resultados pecuários, sobretudo nas operações cujos animais vendidos a partir de julho deste ano entraram nos sistemas de recria e engorda antes do segundo semestre de 2019, ou seja, anteriormente ao início da subida vigorosa da cria. Bezerros comprados em 2019, ao redor de R$ 1.300,00/cab, com ágio de 25% sobre a arroba do boi gordo, foram terminados e comercializados, por exemplo em novembro de 2020, acima de R$ 280,00/@, ou seja, além da reposição ter entrado menos valorizada em relação ao boi em 2019, a arroba do animal gordo escalou no final do ciclo, uma combinação perfeita.
Conforme as informações divulgadas pelo relatório da Consultoria Agro Itaú, mesmo as operações de confinamentos, desafiadas no início da pandemia pela queda dos contratos futuros e posteriormente pela alta dos custos da ração, performaram bem em função da subida mais forte do preço do boi a partir de agosto/setembro. Do lado da oferta, foi determinante para os elevados preços do gado o forte ciclo pecuário em modo de retenção de fêmeas – o que reduziu a oferta de gado aos frigoríficos e consequentemente de carne ao mercado consumidor
Estimamos que o consumo per capita de carne bovina, medido a partir da produção inspecionada (IBGE), irá retroceder 10% neste ano, para 25 kg/hab, o menor patamar em mais de 10 anos. E isso ocorreria mesmo que as exportações não tivessem crescido neste ano, somente pelo efeito da menor oferta, que é função do ciclo. Mas, mesmo com o aumento das exportações neste ano devendo fechar ao redor de 12%, o consumo interno ainda responderá por 68% da produção brasileira.
Pela ótica da demanda, dois elementos fizeram a diferença. Primeiramente, a sólida procura chinesa pela carne bovina brasileira, que ganhou ainda mais competitividade em função da desvalorização cambial, que barateou a arroba do boi brasileiro até o nível de USD 35 em maio, o que permitiu aos frigoríficos absorverem menores preços de exportação em dólares auferindo margens interessantes. Vale lembrar que em dez/19 o preço de exportação da carne bovina in natura era de USD 5.000/t enquanto em nov/20 foi de USD 4.400/t.
O segundo elemento foi o auxílio financeiro governamental às famílias em função da pandemia, cuja mensuração do efeito isolado por commodity é difícil, mas que deixou claro saldo positivo sobre o consumo da maior parte dos produtos alimentícios no mercado interno, o que inclusive justifica em parte a inflação de alimentos
Atenção ao mercado interno
O mercado do boi gordo deve se mostrar mais desafiador em 2021 do ponto de vista da demanda doméstica, já que a possível retirada do auxílio emergencial e a perspectiva de elevado nível de desemprego, se somará ao preço elevado da proteína ao consumidor final, e com pouco espaço para quedas, já que a oferta de gado não deverá apresentar grande resposta pois o rebanho ainda não se recompôs. É incerto como ficará a demanda interna pelos alimentos mais caros, caso da proteína bovina, sem este estímulo disponível.
É razoável supor que a oferta de crias seja maior no próximo ano, mas não a de gado pronto para abate. Em grande medida, o alto patamar de preços do bezerro continuará estimulando a retenção das vacas, o que deve manter o mercado da carne escasso. Além disso, segue positiva a perspectiva das importações chinesas de carne bovina em 2021, porém o resultado das vendas externas para a indústria já é notadamente inferior ao observado há um ano, o que também vale para o spread da venda
de carcaça no mercado interno, que está bastante pressionado.
Ambos vetores, exportação e mercado interno, deixam um resultado bem menor atualmente em relação há um ano
A provável oferta contida de gado juntamente das exportações para a China serão importantes pontos de sustentação dos preços do animal, porém a continuidade das altas do animal gordo, fundamentais para equilibrar o elevado custo da reposição que está entrando agora nos sistemas de recria e engorda, esbarra na capacidade de repasse de preços ainda maiores da carne em um ambiente econômico doméstico difícil, apesar da expectativa de crescimento do PIB após o tombo desse ano, e com reduzido espaço fiscal para novos apoios.
Se a demanda chinesa não fosse bastante seletiva em termos de qualidade dos animais, o que restringe parte relevante da produção no acesso àquele mercado, o setor poderia exercer a opção de atender ainda mais o consumidor disposto a pagar melhor, no caso o chinês. Porém, é no mercado doméstico que o “boi comum” encontra espaço e este canal ainda é muito relevante, sendo também importante destino das vendas dos frigoríficos, o que inevitavelmente insere o pecuarista às condições locais.
Tudo indica que continuaremos a ter no próximo ano um bom ambiente para a formação de preços do boi gordo mas é importante ter cuidado ao dobrar a aposta no ciclo de alta, sob o risco da compra da reposição muito valorizada inviabilizar um bom resultado futuro caso os ventos mudem de direção
Dados enviados pela Consultoria Agro Itaú.
Fonte: Agrolink