Pandemia, alta das cotações das commodities agrícolas e crises pontuais nos países produtores impactaram o mercado mundial de NPK
Uma tempestade perfeita formada por problemas logísticos, políticos, climáticos e energéticos vai impactar severamente o custo de produção de grãos na próxima safra de inverno, em 2022. Isso porque o produtor rural vai encontrar um cenário adverso na hora de comprar fertilizantes minerais (o famoso NPK, dos símbolos químicos de nitrogênio, fósforo e potássio), com preços bem acima em relação há um ano. O único alento é que, segundo analistas de mercado, não vai faltar fertilizante.
Em cada cadeia produtiva dos fertilizantes houve um impasse diferente que impactou a produção e o fornecimento nos principais países produtores. Sobre tudo isso ainda paira a sombra da pandemia do novo coronavírus, que trouxe desajustes, incertezas e ajudou a tornar este caldo ainda mais turvo.
Para se ter ideia da variação desses insumos, em setembro de 2020, o gasto com fertilizantes em uma lavoura de soja na região de Londrina era de R$ 620 por hectare. No mesmo mês deste ano, esse custo mais do que dobrou, passando para R$ 1.323. Com isso, o peso dos fertilizantes no custo operacional desta lavoura passou de 20% para 31%, em 12 meses.
Segundo o presidente da Comissão Técnica de Cereais, Fibras e Oleaginosas da FAEP, José Antonio Borghi, o aumento no preço dos fertilizantes impacta fortemente o custo de produção de grãos no Estado. “Precisamos pensar em uma mudança na estratégia de adubação. Isso é possível desde que tenhamos uma boa assessoria técnica. A partir daí, com uma análise de solo, podemos pensar onde poderemos modificar nossa adubação”, afirma.
Jogo desfavorável
Quando analisado o poder de troca do produtor rural, a situação também piorou no último ano. Em agosto de 2020 eram necessárias 16,6 sacas de soja para realizar a troca por uma tonelada de cloreto de potássio (KCl). Em agosto deste ano, essa relação era de 22,66 sacas por tonelada do produto. Com o superfosfato simples (SSP) essa relação passou de 11,6 sacas por tonelada para 14,8 sacas/ton e com a ureia não foi diferente, saiu de 19,6 sacas/ton para 22,6 sacas/ton.
As razões para esta escalada de preços têm origem no outro lado do globo. Embora nitrogênio, fósforo e potássio tenham cadeias de produção bem distintas, a gênese para a alta dos valores foi a mesma: o aumento abrupto do preço das commodities agrícolas ocorrido durante a pandemia.
“Os preços subiram demais. Houve um rally dos preços dos grãos que começou em julho 2020 até maio 2021 e, depois disso, soja e milho entraram numa fase de correção, com preços caindo bastante. Os fertilizantes, porém, continuaram subindo. Tivemos crises específicas em cada segmento que fizeram [o preço destes insumos] continuar subindo”, avalia o responsável pela área de fertilizantes da consultoria StoneX, Marcelo Mello.
NPK
Estas crises específicas, citadas pelo especialista, tiveram naturezas diversas. No caso do potássio, a primeira teve seu epicentro na Bielorrússia, país do Leste Europeu responsável por 20% das exportações mundiais do fertilizante. Questões políticas envolvendo a relação do presidente Aleksandr Luka-shenko com a União Europeia (UE) se agravaram quando o mandatário mandou interceptar um avião comercial, alegando uma ameaça de bomba, com objetivo de prender um desafeto político que estava a bordo. Diante disso, a UE e os Estados Unidos aplicaram sanções econômicas e logísticas à Bielorrússia, pressionando a alta dos preços no mercado internacional. Apesar do imbróglio, Mello acredita que o produto não vai faltar. “Acho que é a demanda que pode cair, pois o preço está altíssimo”, avalia.
Segundo o analista de fertilizantes de Agrinvest, Jeferson Souza, o preço da tonelada do cloreto de potássio saltou de US$ 265 em janeiro de 2021 para US$ 795 no final de outubro, acumulando alta de 220% em oito meses. Mas nem isso freou a demanda. “O Brasil já ultrapassou as 10 milhões de toneladas [importadas] entre janeiro e outubro. Isso é atípico. Ano passado estávamos com um milhão de toneladas a menos neste período”, observa. “No ano passado inteiro foram 11,2 milhões de toneladas de cloreto de potássio. Se a demanda aumentar podemos chegar a um recorde de 12 milhões de toneladas esse ano. Ou seja, mesmo com preço elevado o produtor brasileiro está comprando fertilizante”, complementa.
Em relação aos fertilizantes fosfatados, a redução da oferta também pressionou os preços. De acordo com o analista da Agrinvest, a tonelada do MAP (fosfato monoamônico) passou de US$ 430 em janeiro para US$ 823 em outubro, alta de 91%. Nesse caso, houve problemas no fornecimento da China, que restringiu a oferta, e também da Rússia. “Isso impactou muito porque 30% do nosso MAP vem da Rússia”, observa Souza.
A crise energética mundial também influenciou o mercado dos fertilizantes nitrogenados, cuja produção, além de consumir muita energia, é ligada à cadeia do petróleo e gás natural. “Todo ano a China tem crise energética quando chega o inverno. Nesse período o país pede aos produtores de commodities de baixo valor agregado, como fertilizantes, para reduzirem a produção para economizar a energia. Então tipicamente a China está fora da exportação [de nitrogênio e fósforo] entre dezembro e abril. Este ano deve ocorrer antes, em novembro”, avalia Mello, da StoneX.
Situação semelhante ocorreu na Rússia, outro grande fornecedor destes insumos. Em setembro, o país prometeu aumentar o fornecimento de gás natural para a UE. Porém como faz parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que está comprometida a não aumentar a produção de petróleo, sua produção de gás está restrita. “Como não pode aumentar a produção, teve que redirecionar o gás. Com isso a produção de fertilizantes nitrogenados diminuiu”, relata Mello. “As três [cadeias de fertilizantes, nitrogênio fósforo e potássio] estão bem complicadas, mas a de nitrogenado é a mais estressada e o mais problemático para a safra de inverno. É um produto muito volátil, sobe 30%, passa meses e cai 30%”, diz.
Crise de 2008
Segundo o analista da StoneX, a situação atual lembra a crise ocorrida em 2008, precipitada pela falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, que desencadeou um verdadeiro efeito dominó, derrubando outras grandes instituições financeiras. “Em 2008, o preço da soja era um pouco menor do atual. Naquele momento, os Estados Unidos aplicaram 30% a menos de fósforo e 40% a menos de potássio [nas lavouras]. Olhando as estatísticas de entrega de fertilizantes naquele ano, vemos uma queda da ordem de 20%. Acreditamos que esse perfil vai acontecer de novo”, avalia Mello.
Segundo o especialista, “o norte-americano, diferentemente do brasileiro, não antecipa compra. Ele vai comprar o fertilizante a partir do primeiro trimestre do ano que vem e pegar os preços nessa situação, portanto acreditamos que vão diminuir a demanda”, diz.
Desta forma, o especialista não vê risco de desabastecimento por aqui, porém também não vislumbra movimentos de baixa nos preços. “Focando a safra de inverno, não deve faltar fertilizante. Mas quanto mais rápido comprar, melhor, pois daqui até o final de abril é pouco provável que os preços caiam. O que pode ocorrer num cenário positivo é que os preços não subam mais”, analisa Mello.
Para reduzir a dependência dos fertilizantes minerais é preciso pensar “fora da caixa”
Existem alternativas que podem ser adotadas no manejo agrícola para manter as margens no azul em face ao aumento no preço dos fertilizantes minerais. Muitas vezes estas soluções são extremamente baratas e/ou podem dar solução ao destino de um passivo ambiental. Porém é preciso que o produtor, acostumado em utilizar o adubo importado, considere estas possibilidades.
Para suprir a demanda de nitrogênio na lavoura existem opções como a utilização de cama de aviário, insumo que dá destinação viável a um passivo ambiental. Outra opção que já vem sendo utilizada pelos produtores paranaenses é a inoculação, técnica que adiciona bactérias às sementes das plantas com capacidade de fixar o nitrogênio do ar.
Esse mesmo mecanismo pode ser utilizado por meio de consórcio com leguminosas que se associam a bactérias e cumprem a mesma função.
“O produtor é resistente ao consórcio, pois acredita erroneamente que vai ter menos espaço. Também existe uma falsa ideia de que uma planta vai competir com a outra. Outra alternativa seria a inoculação com bactérias. A planta ganha nitrogênio da bactéria, a bactéria ganha energia da planta, então todos ganham nesse sistema”, observa o técnico Bruno Vizioli, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
No inverno, este consórcio pode utilizar culturas como ervilhaca, ervilha, grão-de-bico, trevo, entre outras, enquanto no verão existem a crotalária, feijão de porco, mucuna preta e até mesmo a soja, que também é uma leguminosa. “A princípio nada impediria de fazer consórcio com duas culturas comer- ciais, como milho com feijão, por exemplo”, observa Vizioli.
Se o produtor torce o nariz para a palavra consórcio, uma rotação de culturas bem-feita, pode trazer os mesmos benefícios. “Rotação de culturas precisa de, no mínimo, quatro plantas diferentes”, sentencia Vizioli.
A rotação favorece a disponibilidade de todos os nutrientes. Porém, os resultados só aparecem quando as técnicas são incorporadas na rotina da propriedade. “São fontes baratas que podem equilibrar o solo e o seu sistema produtivo e devem ser pensadas como manejo de fertilidade, algo de longo prazo. Trata-se de uma mudança no estilo de produção”, afirma Vizioli.
No caso do potássio, outro elemento fundamental para o desenvolvimento dos vegetais, passivos ambientais como cinzas de caldeira, cinza de cavaco, casca de café, palha de arroz podem ajudar a suprir a falta desse mineral no solo. Porém, para saber como, onde e em qual quantidade aplicar, vale consultar um técnico e também realizar análises de solo constantemente.
Outra ferramenta valiosa é o consórcio com plantas de sistema radicular profundo, como girassol e braquiária, que funcionam como “bombas” trazendo o potássio do subsolo para a superfície, onde pode ser aproveitado pelas plantas.
Já no caso do fósforo, segundo o técnico do Sistema FAEP/SENAR-PR, não existem muitas alternativas para suprir a necessidade deste mineral, principalmente devido à sua “imobilidade”, característica pela qual este elemento reage muito pouco com outros elementos. Uma alternativa neste momento de preços altos é a tecnologia Biomaphos, produto biológico desenvolvido pela Embrapa em parceria com uma empresa privada, que consegue solubilizar o fósforo presente no solo, de forma que se torne assimilável pelas plantas. Essa técnica é semelhante à inoculação. Ou seja, o produto é aplicado no sulco de semeadura, de modo que as bactérias presentes se associem à planta desde a formação de raízes, permitindo a assimilação do mineral.
“Vale lembrar que todas estas práticas não são excludentes. É possível utilizar consórcios e rotação de cultura com a aplicação de fertilizante mineral”, pontua Vizioli.
Solo não tem “gordura para queimar”
O solo não retém “gordura” quando o assunto é adubação. Desse modo, não é possível contar com o adubo aplicado nos anos anteriores para suprir as necessidades das plantas na próxima safra de inverno. O nitrogênio se perde por volatilização, enquanto o potássio é carregado pela chuva para as profundezas do solo, no processo de lixiviação, sendo um elemento que a ciclagem pode facilmente resolver o problema. Já o fósforo, devido à sua grande afinidade com a argila, fica imóvel, limitando principalmente a expansão das raízes.
“Existe efeito residual da adubação, mas é insuficiente para sustentar toda uma nova safra. Além disso, solos mal manejados tendem a perder a capacidade de armazenar nutrientes, devido principalmente a erosão”, observa o técnico Bruno Vizioli, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/ SENAR-PR. “O solo é um ambiente de perda desses elementos. Então não adianta adubar em excesso, que essa sobra será perdida, bem como o dinheiro do produtor”, acrescenta.
Desta forma, contar com o adubo que foi aplicado nos anos anteriores e esperar que dê resultado é um mau negócio, bem como não atentar para as corretas técnicas de manejo do solo, como plantio direto, rotação de culturas e terraceamento.
A recomendação para conhecer as necessidades do solo e poder realizar as intervenções na medida certa exige análises. “É um processo muito barato e de suma importância para melhorar o desempenho das lavouras”, aponta Vizioli.
À primeira impressão, o solo é um ambiente morto, sendo toda produtividade agrícola sustentada pelos adubos. Mas o solo funciona como uma “caixa” com capacidade de armazenar os nutrientes. Assim, há caixas com maior ou menor capacidade de armazenamento.
No Brasil há 13 classes de solo que deter- minam qual atividade agrícola será melhor explorada. Com a crescente preocupação com o alto custo dos fertilizantes minerais, conhecer o “DNA” do solo é importantíssimo para que a sua aptidão seja melhor explorada.
A quantidade de argila, por exemplo, é uma característica básica para essa avaliação. Quanto mais argila, maior será o tamanho da “caixa” do solo. Entretanto, isso não quer dizer que em solos argilosos não ocorrem perdas de nutrientes, estes solos têm apenas uma capacidade de armazenamento maior, suportando maiores doses de adubo e, consequentemente, respondendo melhor em produtividade.
O produtor rural deve consultar assistência técnica especializada para conhecer seu material de trabalho, visto que há solos com maior e menor potencial agrícola. Não se pode esperar a mesma produtividade de grãos de um Latossolo (mais argiloso) em um Neossolo (mais arenoso), mesmo recebendo a mesma quantidade de adubo. Ao se deparar com um solo mais limitado, o produtor tende a colocar mais adubo para “compensar” aquela limitação do solo, o que é jogar dinheiro para fora da “caixa” da produtividade. Assim o solo precisa ser compreendido, como um ambiente vivo, dinâmico, com potencialidades e limitações, que, ao ser bem trabalhado, pode proporcionar ganhos com menor custo de produção.
Fonte: Sistema FAEP