Quadro mundial impacta diretamente o agronegócio brasileiro, que vê disparada das tarifas e retenção de produtos em todos os portos dos país
Em todas as partes do mundo, quem precisa transportar mercadorias está enfrentando dificuldades. Falta de contêineres, retenção de embarcações nos terminais portuários e fretes com alta de três dígitos. A pior crise logística da história, que impacta diretamente o agronegócio brasileiro, ainda está longe do fim.Não se espera, ainda, que os preços praticados no transporte marítimo voltem aos níveis pré-pandemia. A conclusão é de armadores (transportadores marítimos) e especialistas internacionais em comércio marítimo.
O transporte de cargas refrigeradas, como carnes, frutas e flores, deve continuar a ser o mais afetado, na opinião dos especialistas, porque os riscos desse tipo de frete o torna menos atraente e lucrativo para os transportadores que o de produtos secos. Os palestrantes estimam que levará alguns anos para que a normalidade seja restaurada no setor e mesmo assim os custos permanecerão altos.
Durante a 13ª Conferência e Exposição Cool Logistics, direto de Roterdã, na Holanda, onde fica um dos pontos mais importantes e modernos da logística mundial, Rachel White, CEO e cofundadora da Cool Logistics Resources, disse que esse é o momento mais difícil de toda a história do setor. O evento ocorreu na quinta-feira (21/10).
As taxas de frete, que já dobraram no ano passado, devem registrar um aumento adicional de 50% ao longo deste ano, segundo Martin Dixon, diretor do Drewry Group, empresa privada de serviços de pesquisa e consultoria para a indústria marítima. Para 2022, o especialista acredita que a média de aumento fique entre 50 e 100%.
Mesmo com o aumento esperado de 30% no número de contêineres em 2022, ele estima uma queda de 9% na capacidade de o transporte marítimo atender as cargas refrigeradas nos próximos anos devido ao fato de que a vacinação contra a Covid-19 avança lentamente e as tripulações de navios permanecem mais tempo presas em ambientes fechados ou esperando nos portos, o que retarda as viagens.
Andrew Lorimar, CEO da Datamar, que atua no comércio marítimo na Costa Leste da América do Sul, inclusive no Brasil, destacou que as exportações brasileira têm aumentado constantemente nos últimos três anos, com destaque para as frutas. Em 2021 o país deve bater recordes, o que acaba sendo um problema adicional para o transporte. Como o país exporta muito mais do que importa, muitos contêineres saem vazios dos portos.
Para Michel Looten, diretor marítimo da Seabury Cargo, unidade de assessoria em transportes do banco de investimento global Seabury Capital, com a alta demanda por produtos secos, o comércio de refrigerados será mais afetado, pois é menos atraente para os transportadores. O risco maior, disse, é de que as linhas de comércio marítimo deixem de investir em contêineres refrigerados e priorizem os destinos marítimos mais populares.
Thomas Eskesen, fundador da Eskesen Advisory, empresa de soluções estratégicas para o transporte refrigerado, concorda que esse é um momento excepcionalmente difícil para o setor. E 2022 deve ser ainda pior, porque o comércio de contêineres refrigerados não é mais tão vantajoso para as transportadoras e os consumidores vão descobrir que terão que pagar mais pelos produtos.
Robert F. Sappio, CEO da SeaCube Containers LLC, empresa que compra, vende, gerencia e aluga contêineres marítimos, defendeu as indústrias de contêineres e disse que o setor se provou muito resistente. Segundo ele, a indústria aumentou 5% o número de equipamentos refrigerados, com os investimentos de empresas de leasing. Em setembro deste ano, 340 mil contêineres de refrigeração foram construídos e até o final do ano serão 360 mil.
O custo do equipamento, segundo Sappio, aumentou. No ano passado, um contêiner custava US$ 7.700. Neste ano, passa de US$ 10.000. Mas o principal problema da falta de contêiner, segundo ele, é mesmo o congestionamento nos portos. E a escassez vai continuar, já que as transportadoras estão usando equipamentos de refrigeração para produtos secos.
Bruce Marshall, diretor de soluções da AP Moller-Maersk, empresa de logística integrada com sede na Dinamarca, afirmou que será necessário ter uma boa parceria, transparência e flexibilidade entre exportadores e seus clientes para driblar as dificuldades do transporte marítimo, já que a demanda está muito à frente da capacidade. “Existem vários pontos em que as coisas podem atrasar e é preciso gerenciar todos os aspectos da cadeia de suprimentos.”
No Brasil
O agronegócio brasileiro tem sofrido o impacto dessa crise dos contêineres, quadro que tende a se agravar com o cenário internacional, com o qual está diretamente associado. No mês passado, 40% das cargas de carne suína e de frango estavam paradas nos diversos brasileiros, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). O tempo entre partida e chegada das cargas, segundo a entidade, tem sido o dobro do normal. Para a Ásia, por exemplo, os produtos brasileiros têm encarado 80 dias de viagens para chegar ao destino. Às vezes um contêiner chega a ficar 25 dias no porto do país comprador.
Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafe), o setor deixou de exportar mais de US$ 500 milhões, ou 3,5 milhões de sacas, nos últimos meses por falta de contêineres.
A Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) também relata que a escassez de contêineres para exportação e o aumento dos fretes marítimos são os principais desafios do setor neste ano. Segundo o presidente da entidade, Guilherme Coelho, os navios ficam girando entre os Estados Unidos e a China, prejudicando os exportadores que estão fora dessa rota, como o Brasil. Uma estimativa da entidade é que o setor já deixou de transportar US$ 50 milhões em frutas neste ano por escassez de contêineres.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já levou a questão ao Ministério da Infraestrutura, apoiada por associações e entidades, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).
Uma das críticas do setor agro é que o comércio global marítimo está nas mãos de cinco armadores (empresas responsáveis pelo transporte marítimo), o que dificulta a prática do livre mercado. A FPA agendou uma reunião para 11 e 12 de novembro com os armadores para discutir formas de melhorar as condições do transporte marítimo para o setor.
Fonte: Globo Rural