A consultoria StoneX estima que pelo menos 19% dos fertilizantes a serem aplicados na primeira metade da temporada 22/23 já estão comprados
A adubação das lavouras brasileiras de grãos da safra 22/23, assim como das culturas perenes, deve ficar mais cara em relação à temporada 2021/22, projetam analistas de mercado.
A estimativa considera que, por aqui, uma eventual queda nas cotações internacionais dos fertilizantes deve ser compensada pelo dólar valorizado ante o real, que encarece os insumos majoritariamente importados e tende a manter os valores pagos pelos adubos firmes ao longo de 2022 no Brasil. Isso porque os insumos necessários para a safra 21/22 tanto de verão quanto de inverno já foram garantidos antecipadamente pelos produtores.
“A safra de grãos 22/23 e as culturas perenes, especialmente cana-de-açúcar, café e laranja, tendem a sentir o maior impacto destes custos mais elevados”, avalia o gerente da Consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti. Desta forma, a demanda tende a crescer menos, mas ainda deve acompanhar o aumento na área plantada.
Neste cenário, na avaliação do BBA, a relação de troca, quantidade necessária de determinada commodity para compra de uma tonelada de adubo, que se deteriorou no ano passado e atingiu os piores níveis históricos pressionada pelo aumento expressivo dos insumos, deve ficar menos favorável ao produtor rural na temporada 22/23. Ou seja, para adquirir a mesma quantidade de fertilizante, o produtor precisará desembolsar maior volume de grãos.
Culturas
O Itaú BBA prevê que para a soja, que será semeada a partir de setembro deste ano, serão necessárias mais de 31 sacas da oleaginosa para compra de uma tonelada de fosfato monoamômico (MAP) no ciclo 22/23, ante cerca de 29 sacas de soja necessárias para aquisição da mesma quantidade do insumo na temporada 21/22.
Em relação ao milho, a relação de troca entre o grão e o cloreto de potássio (KCl) deve passar de aproximadamente 40 sacas por tonelada de MAP em 21/22 para mais de 62 sacas por tonelada em 22/23.
Quanto ao algodão, a relação de troca deve subir de cerca de 24 arrobas por tonelada de MAP para 26 arrobas e de 16 arrobas por tonelada de Kcl para mais de 27 arrobas por tonelada de Kcl, conforme o relatório mais recente divulgado pelo banco.
Esse movimento deve impulsionar os custos de produção e, consequentemente, pressionar a inflação das commodities. As margens de rentabilidade dos produtores, por sua vez, devem se manter em patamares positivos, mas abaixo dos níveis vistos em 20/21, na avaliação do Itaú BBA.
“Devemos ver as margens voltando para médias históricas ou até abaixo. Vai depender do preço final das commodities e do custo de produção, mas um recuo em relação aos excelentes patamares de 20/21 e 21/22 é considerado. Considerando que as cotações dos adubos mais que triplicaram nos últimos meses, devemos ter margens mais apertadas em 22/23”, afirmou Belotti.
Mercado
Para o analista de Insumos do Rabobank, Bruno Fonseca, a atratividade da relação de troca ao agricultor vai depender dos preços dos adubos a partir do segundo trimestre deste ano, da safra norte-americana de grãos e da atual produção brasileira de soja e milho. “De forma geral, com base nos preços atuais, as relações de troca ainda seriam favoráveis aos agricultores, considerando soja, milho, trigo, algodão e cana-de-açúcar”, comentou Fonseca. Aproximadamente dois terços dos adubos consumidos anualmente no Brasil são utilizados na segunda metade do ano período de plantio da safra de verão. Desse volume, a maior parte é aplicada nas lavouras de soja e milho primeira safra.
Apesar do cenário de preços sustentados, analistas consideram que pode haver apenas reduções pontuais no volume consumido. O Rabobank prevê entregas de 44 milhões de toneladas de adubos no País até o fim deste ano, ante 43 milhões de toneladas projetadas para 2021. “O investimento do produtor em tecnologia para as lavouras vai continuar acontecendo, porque os preços das commodities continuam atrativos, mas talvez não com o mesmo ímpeto que investiu na lavoura anterior”, avaliou Fonseca, destacando que o aumento do consumo também deve-se ao crescimento esperado na área plantada.
Os dados oficiais de entregas do acumulado do ano passado devem ser divulgados pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), que representa a indústria do setor, no início de março. Os números mais recentes da Anda indicam entrega de 38,34 milhões de toneladas de janeiro a outubro de 2021. A Anda não divulga estimativas próprias de entregas, mas afirma que consultorias privadas projetam aumento de aproximado de 8% nas entregas em 2021, para cerca de 44 milhões de toneladas.
“Temos boa expectativa para este ano. Partimos do princípio de que não haverá redução expressiva na demanda de adubos neste ano porque o produtor usa tecnologia para aumentar produtividade e as estimativas mostram que a rentabilidade é favorável”, comentou o diretor executivo da Anda, Ricardo Tortorella, acrescentando que boa parte dos insumos a serem utilizados nas lavouras 22/23 já foi adquirida pelos produtores. A consultoria StoneX estima que pelo menos 19% dos fertilizantes a serem aplicados na primeira metade da temporada 2022/23 – segundo semestre deste ano – já estão comprados pelos produtores.
A StoneX projeta que as entregas de fertilizantes ao consumidor final no Brasil tenham crescido 8% no ano passado para 43,81 milhões de toneladas. O Itaú BBA projeta avanço da ordem de 7% nas entregas em 2021 ante as 40,56 milhões de toneladas entregues no mercado brasileiro em 2020. “No momento, falamos em estabilidade no consumo neste ano, já que o setor produtivo discute uma eventual redução no nível de adubação que pode ser compensada pelo provável aumento de área semeada”, justificou Bellotti.
Na avaliação dele, deve haver uma redução na intensificação do investimento no pacote tecnológico visto nas safras passadas. “Há espaço para que haja redução, principalmente em elementos que fixam no solo e que foram reforçados no ano passado, mas tendem a ser avaliados caso a caso pelo produtor”, apontou Bellotti.
Outro efeito colateral deste cenário de preços firmes é a desaceleração das compras antecipadas por parte dos produtores. Desde 2019, agricultores vinham assegurando insumos para lavouras com significativo adiantamento – ritmo que vem caindo desde o avanço expressivo dos adubos. “Provavelmente, teremos concentração de compras no fim do primeiro semestre e início do segundo semestre para uso na safra 22/23”, projetou Bellotti.
Fonseca, do Rabobank, também acredita em uma comercialização mais pulverizada dos adubos. “Produtor tem incerteza em travar a compra adiantada em virtude da relação de troca, mas tende a fazer compras mais distribuídas aproveitando oportunidades de mercado”, apontou.
Bellotti alerta que a concentração das compras pode gerar um acúmulo nas entregas e possivelmente gargalos logísticos. “A preocupação é com a soma de pequenos fatores que podem atrasar a logística das entregas e afetar a disponibilidade do insumo na fazenda no período adequado”, comentou. “A logística é sempre um ponto de atenção. Vivemos com incerteza de que o navio (com adubo importado) chegará e o calendário será cumprido”, disse Tortorella da Anda.
Abastecimento
A preocupação com os riscos de desabastecimento de alguns ativos ainda permanece. No ano passado, rumores de possível falta de alguns ativos à medida que Rússia e China restringiram as exportações e Estados Unidos embargaram Belarus foram a tônica dos últimos meses no mercado brasileiro. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, visitou vários países produtores de adubos, pedindo garantia no fornecimento ao País. A falta de nutrientes não se concretizou, mas a apreensão com uma eventual falta de insumos continua neste ano.
Para Tortorella da Anda, há riscos que precisam ser monitorados para que sejam minimizados. “O risco real que temos que monitorar é a oferta global não acompanhar o crescimento da demanda. Como importamos 85% do que consumimos, estamos expostos a riscos de oferta” disse Tortorella, ponderando que, se o volume ofertado de adubos em 2021 se mantiver neste ano, o abastecimento do Brasil não será comprometido. “Se as exportações da Rússia para o Brasil seguirem normalmente como o prometido e embarques de Belarus continuarem, faremos as entregas necessárias e o Brasil terá uma ótima safra”, apontou.
Para o diretor de Fertilizantes da StoneX, Marcelo Mello, o maior risco é que o Brasil poderá ter problemas de fornecimento de potássio para safra 22/23, em meio às sanções dos Estados Unidos à companhias belarussas de cloreto de potássio (Kcl). “É uma situação séria. Há risco concreto de desabastecimento, se a sanção realmente interromper o fluxo belarrusso de exportação, porque o volume é muito grande. Cerca de 20% do cloreto de potássio (KCl) importado do Brasil vem de Belarus e importamos 98% do Kcl consumido”, analisou Mello.
Apesar de a sanção de negócios estar voltada à empresas norte-americanas, o embargo afeta o Brasil porque o pagamento das compras brasileiras, feito em dólar, passa por bancos norte-americanos e por meio deles é destinado aos fornecedores belarrussos. As instituições financeiras norte-americanas também estão sujeitas à medida e estarão impedidas de efetuar as remessas às empresas belarrussas sancionadas. “De modo concreto, estamos falando de uma safra com possível falta de KCl se essa situação prevalecer até abril quando novas sanções entram em vigor”, pontuou.
Fonte: Estadão Conteúdo