As exigências “verdes” de grandes importadores de alimentos e as mudanças nos hábitos de consumo da população mundial, sobretudo na Europa, acenderam o sinal de alerta dos exportadores das Américas. Pela primeira vez, 31 nações, incluindo Brasil, Estados Unidos, Argentina, Paraguai, México, Guatemala, Canadá e Chile, assinaram um documento com posição unificada em defesa dos sistemas agroalimentares locais, com ênfase para a sustentabilidade da produção agropecuária do continente.
A preocupação mais latente é com uma possível “responsabilização” desses países pela emissão de gases de efeito estufa, principalmente pela pecuária, e com a indesejada imposição de novas barreiras comerciais no futuro devido a uma suposta “guerra de narrativas”.
Os países das Américas do Sul, Central e do Norte, e do Caribe, também querem evitar a consolidação de uma orientação global contra o consumo de carnes. As nações alegam que a posição dos produtores não é considerada e que a discussão omite a falta de acesso a proteínas animais por parcela considerável da população mais pobre do mundo. Também avançam os debates para coibir o uso de agrotóxicos e produtos químicos na cadeia agrícola.
Uma carta com 16 mensagens elaboradas em consenso pelos países americanos será levada à Cúpula das Nações Unidas sobre os Sistemas Alimentares. Os ministros de Agricultura dessas nações se sentem sub-representados no foro global e à mercê da tomada de decisões que podem impor riscos e dificuldades à produção e à comercialização dos produtos do campo. Grande parte da pauta, dizem, é conduzida por ONGs e traduz os apontamentos feitos pelo recém-anunciado Pacto Verde Europeu.
“As decisões sobre o que consumir devem ser deixadas ao consumidor, que as toma com base em fatores históricos, culturais, de acesso e de disponibilidade, entre outros, os quais devem ser respeitados. Ao Estado cabe educar e informar sobre dietas saudáveis e desenvolver campanhas de prevenção da saúde pública, fundamentadas em informações atualizadas e evidências científicas”, diz a carta, que defende o consumo de “proteínas de alta qualidade, carboidratos (cereais e açúcares), gorduras e alimentos fortificados e biofortificados para se ter uma dieta equilibrada e nutritiva que contribua para a saúde humana”.
O grupo, reunido no âmbito do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), deverá formar, ainda, uma coalizão sobre pecuária sustentável. Um documento específico sobre a atividade foi redigido e será avaliado tecnicamente nesta quarta-feira pelos ministros. Para eles, o combate à “demonização” da produção pecuária é um ponto central no debate atual.
A região quer ver a sua realidade refletida nas discussões. Ministros de Agricultura como Tereza Cristina, do Brasil, e Luis Basterra, da Argentina, vão a Roma para fortalecer essa posição na reunião pré-cúpula, que ocorrerá na próxima semana.
A cúpula será em setembro, durante a conferência da ONU em Nova York, e vai propor ações da comunidade internacional para a obtenção de sistemas alimentares mais saudáveis, sustentáveis e equitativos. As diretrizes não serão obrigatórias, mas poderão influenciar outros fóruns de discussões, como a Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Estamos convencidos de que somos responsáveis por muito pouco da emissão de gases de efeito estufa, mas a debilidade corresponde à comunicação sobre o que a região faz a favor dos ecossistemas”, disse o ministro de Agricultura do Paraguai, Moisés Santiago Bertoni, presidente do Conselho Agropecuário do Sul (CAS), em entrevista a jornalistas.
“O mais importante é demonstrar que esses países, com todos os setores produtivos, são parte da captura das emissões, e que não sejamos os primeiros obrigados a mudar os sistemas de produção”, afirmou o subsecretário de Coordenação Política do Ministério da Agricultura da Argentina, Ariel Martínez. “Não somos responsáveis pela situação da emissão e estaríamos assumindo um problema sobre o qual não temos responsabilidade”, emendou Bertoni.
Um dos desafios, no entanto, é transformar essa argumentação em dados. Para tanto, as mensagens reforçam a necessidade de proteger e apoiar as pesquisas científicas. O documento assinado pelos ministros propõe que as decisões e as políticas a serem adotadas devem basear-se na ciência e diz que a agricultura é parte da solução dos principais desafios enfrentados pela humanidade. As mensagens também tratam da nova relação entre produtor e meio ambiente, com fortalecimento da digitalização e bioeconomia, e defendem o comércio internacional “transparente, aberto e previsível”.
“Queremos ser e temos tudo para ser os garantidores da segurança alimentar e nutricional em nível global e da sustentabilidade ambiental do planeta”, disse o diretor-geral do IICA, Manuel Otero. “As Américas contribuem para a segurança alimentar e nutricional global, sendo a principal região exportadora de alimentos e a maior fornecedora de serviços ecossistêmicos, além de ser reserva de biodiversidade. Além disso, desempenham um papel fundamental na sustentabilidade ambiental e na mitigação dos efeitos da mudança do clima”, diz o documento.
A desvantagem no conflito de narrativas é associada à disseminação de informações erradas sobre a produção. “É um desafio que já temos enfrentado, há muita informação errada sobre o setor e temos que sair em defesa do nosso sistema produtivo a nível local”, disse Bertoni. “A melhor estratégia é a melhor informação científica, que vai ajudar a defender o consumo de proteína animal, sobretudo carne bovina”.
“Temos que investir em ciência para mostrar como podemos reduzir as emissões da pecuária, contribuir para a adaptação e os aspectos positivos do consumo de proteína (…) O que vemos são visões unilaterais para reduzir o consumo de proteína animal, sendo que muitas regiões do mundo não consomem níveis satisfatórios dessas proteínas”, afirmou Fernando Zelner, assessor especial de Tereza Cristina. EUA e Brasil estão entre os maiores exportadores globais de produtos agropecuários, inclusive de carne bovina que tem em Argentina e Uruguai outros produtores importantes
Fonte: Valor Econômico