Consultorias e bancos levantam possível novo ‘boom’ no mercado de commodities, mas cenário ainda não é consenso entre analistas consultados pelo Notícias Agrícolas
Consultorias e bancos pelo mundo têm levantado nos últimos meses o início de um possível novo superciclo das commodities o último ocorreu em 2008 com a quebra do Lehman Brothers nos EUA, após o petróleo dar suporte para os ganhos de vários derivativos, depois de ficar no negativo em abril de 2020, mas já se aproximar dos US$ 70 o barril nas últimas semanas mas voltar a recuar nos últimos dias.
“Acreditamos que a nova ascensão das commodities, e em particular o ciclo de alta do petróleo, começou”, disse o JPMorgan em relatório no final de fevereiro. “A maré dos rendimentos e da inflação está mudando”.
Nos últimos meses, as cotações da soja e do milho testaram máximas de cinco anos na Bolsa de Chicago. Já nas negociações das softs, o açúcar e o café operaram nos maiores valores em cerca de quatro anos, além de máximas de três para o algodão e os maiores valores no comparativo anual com 2020 para o suco de laranja e o cacau na Bolsa de Nova York (ICE Futures US) neste ano.
Desde a primeira sessão do ano, em 4 de janeiro, até 31 de março, as cotações do açúcar no terminal norte-americano caíram 4,65%. Mas, em um ano, acumulam valorização de 41,46%. O café recuou desde o início do ano 2,10%, mas em 12 meses tem alta de 3,64%.
O suco de laranja perdeu mais de 9% em três meses deste ano de 2021 e acumula queda anual de 8,21%. O algodão registra um salto desde o início do ano, até 31 de março, de 2,14%. Em um ano, anota alta de 58,27%.
No período de um ano, a título de comparação, a soja na Bolsa de Chicago registra valorização de 63,1%, o milho avançou 70,69%, já o petróleo WTI e o Brent acumulam no ano ganhos de 190,97% e 177,62%, respectivamente.
De modo geral, as commodities agrícolas avançam com melhores expectativas da demanda depois de um ano de 2020 preocupante para o mercado internacional com os impactos da pandemia do coronavírus. Além disso, há importantes movimentações dos fundos e especuladores no mercado de commodities nos últimos meses.
“As pessoas em casa estão se alimentando mais, demandando mais proteína do que antes. Apesar de restaurantes e escolas sem funcionar nos últimos meses, as cadeias alimentícias não foram tão impactadas”, afirma Carlos Cogo, sócio-diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio.
“Os fundos estão apostando nas commodities, cenário similar ao da quebra do Lehman Brothers. Agora, os fundos estão enxergando nas commodities uma oportunidade de suplantar as perdas que estão tendo em outros mercados, como o imobiliário, por exemplo”, complementa o especialista em inteligência de mercado sobre o financeiro.
Para Cogo, ainda é cedo para confirmar o início de um possível novo superciclo das commodities, apesar de alta nos últimos meses com melhores expectativas de recuperação. Além disso, alguns mercados já começaram a reverter a trajetória altista dos últimos meses com nova onda de contaminações pelo mundo e retomada das preocupações com a demanda.
“Temos sinais de que um superciclo poderia estar começando, mas ainda é cedo. Tem muitas variáveis interferindo no mercado de commodities, de um modo geral, e todas essas variáveis podem estar gerando uma indução de que estamos entrando nesse superciclo”, pontuou Cogo ao Notícias Agrícolas.
O índice de preços de alimentos da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) confirma essa recente disparada nos preços das commodities agrícolas. No início de março, na última divulgação, referente ao mês de fevereiro, o indicador registrou o nono mês seguido de alta.
O indicador da FAO atingiu em fevereiro máximas de 2014, com 116 pontos, sobre 113,2 do valor revisado de janeiro, principalmente puxado pelo açúcar e os óleos vegetais, segundo o relatório. O índice da organização mundial mede as variações mensais de uma cesta de cereais, oleaginosas, laticínios, carnes e açúcar.
“A alta de agora [no índice da FAO] é até mais robusta do que em 2008, por exemplo, com os preços dos óleos vegetais nos maiores níveis da história, além dos cereais, laticínios e açúcar também em comportamento de alta, apesar de queda nas carnes”, explica Cogo.
Além de buscar entender o cenário macro das principais commodities em um possível superciclo, o Notícias Agrícolas também conversou com cinco analistas de mercado de softs commodity (açúcar, algodão, café e suco de laranja) para entender o recente cenário de alta para cada uma delas, as expectativas e como isso pode impactar os negócios no Brasil.
CAFÉ
Após um ano da pandemia do coronavírus, que deu ainda mais volatilidade ao mercado de café, os indicadores do Rabobank mostram que apesar da valorização, o café ainda fica para trás quando o assunto é “ciclo de altas” para as commodities, subindo com menos intensidade com base nos fundamentos de mercado.
Segundo Guilherme Morya, analista de mercado do Rabobank, no período entre 18 de março de 2020 e 18 de março de 2021, a soja subiu 70% em Chicago, o petróleo disparou 190%, enquanto o café apontava uma alta de 20%.
“De maneira geral, a gente acredita que existe uma inclinação para o aumento de preço, dada essa questão de procura por alimentos essenciais e pressão inflacionária. Mas a gente pode ver que no caso do café ele subiu menos, então a gente começa a ir para os fundamentos”, comenta o analista.
Guilherme destaca ainda que o mercado observa dinâmicas diferentes entre o mercado de café e o mercado de grãos, que está com a demanda mais aquecida, fazendo que os fundamentos pesem mais sobre os preços neste momento.
As medidas de restrição para conter a contaminação da covid-19, além de um poder aquisitivo mais baixo por parte do consumidor final também pesam sobre os preços. O analista aponta que o café, diferente de outros mercados, não é prioridade em momento de crise, ficando para trás de carnes e grãos, por exemplo.
Já em relação à liquidez de mercado, Guilherme acredita que não seja um fator de pressão para os preços, garantindo ainda mais volatilidade ao mercado. “Essa entrada e saída dos fundos não comerciais é por conta dessa liquidez e por conta dessa facilidade”, acrescenta.
Nas últimas semanas, o mercado de café segue pressionado pela pandemia da Covid-19, mas o especialista destaca que, em condições normais, o mercado deveria avançar nos preços, considerando a quebra já confirmada para a safra de arábica do Brasil.
Os números do Rabobank apontam para uma redução de 26,5% para o arábica, considerando o ano de bienalidade baixa e impactos climáticos. Já a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), tem uma expectativa de quebra entre 32% e 39% no arábica.
“Todo mundo está trabalhando com uma quebra muito grande em relação à safra passada. Então, em condições normais de demanda com food service aberto e economia aquecida, os preços do café eram para ter disparado tanto quanto o preço de grãos”, afirma.
O setor segue acompanhando a vacinação mundo afora, com a expectativa de uma demanda mais aquecida no segundo semestre, mas o analista destaca que apenas Estados Unidos e Reino Unido avançam de forma efetiva na contenção da pandemia, enquanto outros importantes consumidores como França e Alemanha ainda trabalham para isso.
“A gente está vendo que essa questão da demanda hoje pesa mais que as questões da oferta para os preços. O primeiro semestre de 2021 ainda vai limitar bastante as cotações de café”, finaliza. O Rabobank trabalha com perspectivas de preços entre 1,15 e 1,40 centavos de dólares por libra-peso.
No Brasil, levando em consideração a moeda local, o café bateu níveis recordes de preços no país. Em um ano, as cotações avançam 33% nas principais praças produtoras do país. “O principal fator foi a depreciação do real. Você teve os preços internacionais que valorizaram, mas a gente viu que uma peça fundamental para os preços em reais foi a depreciação, tem sido um fator muito importante para manutenção dos preços”, finaliza.
AÇÚCAR
O mercado do açúcar bruto testou máximas próximas de quatro anos neste início de 2021 na Bolsa de Nova York, assim como o refinado em Londres. Esse avanço nas últimas semanas, acompanhando melhores expectativas da demanda e oferta restrita, fez com envolvidos do mercado apostassem no início de um superciclo para o adoçante.
Porém, para Arnaldo Luiz Corrêa, analista de mercado da Archer Consulting, as softs commodities se beneficiariam muito pouco desse possível cenário positivo generalizado para as commodities levantado por algumas entidades. Na sua visão, fatores específicos de cada produto gerou a movimentação recente dos preços no cenário internacional.
“Não acredito que isso será uma coisa que vá fazer o mercado de açúcar subir. As softs não tiveram influência disso”, disse o especialista, apontando maior benefício em caso de um superciclo para ativos tidos como mais seguros.
Além disso, o mercado do açúcar nas bolsas de Nova York e Londres tem registrado queda expressiva nos últimos dias com reajuste nos preços do petróleo no cenário internacional, uma menor aposta dos fundos na continuidade da alta e, principalmente, preocupações com a demanda com novos isolamentos no mundo e expectativa de maior oferta global.
No Brasil, as altas internacionais até refletiram nas cotações internas. Porém, o período de entressafra no país também prevalecia. “O açúcar no mercado interno pelo índice Esalq/USP tem estado bastante firme, mas acompanhando as oscilações da demanda e o período de entressafra”, diz Corrêa.
A safra 2021/22 de cana de açúcar no Centro-Sul do Brasil terá início neste mês de abril.
ALGODÃO
A alta do algodão na Bolsa de Nova York também esteve atrelada às questões específicas da pluma nos últimos meses, além dos impactos da pandemia do coronavírus, segundo Élcio Bento, analista da Safras & Mercado. O mercado chegou a cair no início da pandemia para US$ 50 c/lb, mas já se recupera e testou cerca de US$ 90 c/lb.
“A gente precisa comer todo dia, mas pode trocar de roupa a cada semestre ou ano. As fibras sentem muito mais as variações de renda do que outras commodities”, explica Bento sobre a queda do mercado em 2020. “Esse fator da demanda e o lado da oferta, com quebra da safra nos Estados Unidos, tem feito com que o mercado se recuperasse”.
Mais recentemente, o algodão também registrou acomodação técnica na Bolsa de Nova York, após as máximas históricas, e agora está cotado em cerca de US$ 80 c/lb. As preocupações com uma terceira onda da pandemia no mundo também pressionaram as cotações, apesar da vacinação em massa em algumas das maiores economias do mundo.
No mercado brasileiro, segundo Bento, os preços sentiram as flutuações do cenário internacional, mas o câmbio minimizou oscilações mais expressivas. “Daqui pra frente, o foco será na safra norte-americana”, prospecta o analista para os movimentos do mercado doméstico e internacional.
SUCO DE LARANJA
Quando comparada com as demais commodities, o mercado de suco de laranja se manteve estável no último ano. A commodity que tem como característica ser mais restrita, com 80% das exportações globais saindo do Brasil, também é o mercado com menor liquidez, que vem sofrendo uma queda de demanda de longo prazo.
“O pico de consumo foi em 2016 e desde então ele vem caindo gradativamente. Tem vários motivos por trás disso, você tem um consumo maior de outras bebidas, como café, chá e água engarrafada. Além dessa imagem de ser um produto mais calórico”, comenta Andrés Padilla, analista de Lácteos e Bebidas do Rabobank.
Do lado da oferta, o especialista explica que o setor também observou mudanças significativas nos últimos 10 anos. Segundo o especialista, a Flórida – importante polo produtor, vem registrando baixas na produção, sobretudo pela incidência de greening, principal doença da citricultura.
“Tivemos problemas climáticos bem fortes e depois a proliferação do greening. Os frutos começam a cair dos pés e não há cura para isso. Em São Paulo, por exemplo, os citricultores decidiram substituir os pés contaminados e na Flórida eles foram mais pelo caminho de tentar salvar as árvores e no final, a estratégia de São Paulo foi melhor”, explica.
No último ano, o setor observou uma demanda um pouco mais aquecida, a partir do momento em que o consumidor passou a buscar mais por vitamina C, sobretudo nos mercados envolvidos com a pandemia. Além disso, as medidas restritivas, também favoreceu um aumento de consumo dentro de casa.
“Então a gente viu uma certa reversão nessa tendência de longo prazo em 2020, com aumento de consumo no lar. Mesmo com essa melhora na demanda e com uma safra pequena em São Paulo, os preços não reagiram muito, se mantendo em torno de US$ 1800 por tonelada na Europa para o suco concentrado. E os frutos dos Estados Unidos também não tem avançado muito”, complementa.
A safra do Brasil teve quebra expressiva devido às condições climáticas, o que deveria ser um impulso para os preços. Os estoques abastecidos, no entanto, impediram um avanço mais expressivo nas cotações.
“Por outro lado, há um certo ceticismo com relação à essa mudança de interesse no consumo. O mercado vê isso mais como algo temporário na pandemia, mas à medida que a vacinação avança e o comércio avança, a tendência é que tende a voltar para tendência de longo prazo”, comenta.
O especialista fala ainda que outro ponto importante, é que à exceção de outros mercados, o suco de laranja não conseguiu gerar um crescimento de demanda grande em mercados emergentes. “O suco de laranja é um produto mais caro, industrializado, então ele depende ainda basicamente de mercados desenvolvidos como Europa e Estados Unidos”, finaliza.
Fonte: Noticias Agrícolas