Os sucessivos problemas climáticos dos últimos anos em importantes regiões agrícolas do Brasil e a alta sinistralidade das lavouras cobertas com o seguro rural frearam os planos do governo federal de fazer mudanças mais profundas nessa política de gestão de riscos.
A incorporação dos agricultores familiares no Programa de Subvenção do Seguro Rural (PSR) está descartada no curto prazo. Sem a previsibilidade orçamentária necessária nem a garantia de aporte de recursos para absorver o público atualmente atendido pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), o governo avalia o momento como “crítico” para implementar as inovações pretendidas.
A avaliação é que o mercado segurador teve uma “inversão de direção” forçada pelos eventos climáticos recentes, como secas e geadas, que geraram perdas bilionárias aos produtores rurais no campo e resultados negativos para as contas das seguradoras. O prejuízo financeiro nos últimos oito anos nesse segmento no Brasil chega a R$ 2,5 bilhões.
Antes de ampliar o público do PSR, será preciso fazer uma reestruturação no modelo atual para garantir a sobrevivência do programa, dizem fontes em Brasília. “O mercado já vinha de quatro anos de resultados negativos, e tivemos novas catástrofes. Se a gente não readequar, pode ser que amanhã o seguro rural não esteja aqui”, disse um técnico a par do assunto. “Temos que dar um passo atrás na discussão”.
A prioridade é dar estabilidade ao mercado para que o crescimento ocorra de maneira sustentável. Desde 2018, as seguradoras já pagaram mais de R$ 11 bilhões em indenizações, e agora buscam formas de recuperar o resultado negativo que estão tendo no Brasil. A alta sinistralidade impacta a capacidade financeira das empresas para atender o mercado. Movimentos como a readequação da carteira e o atendimento com níveis menores de cobertura podem resultar em custos maiores aos produtores e restrições ao programa na safra 2022/23.
Propostas de curto prazo na mesa do governo miram mudanças estruturantes, como na competição de taxas que as seguradoras cobram. A análise, por ora, é que o modelo não está dando certo. A discussão também envolve o aumento do número de peritos, que passou de 600 para 1,6 mil nos últimos anos, a especialização de corretores e a capacitação de todos os profissionais envolvidos.
Outro objetivo é transferir o orçamento da subvenção para o caixa das operações oficiais de crédito gerenciadas pela Secretaria do Tesouro Nacional, chamada de 2OC, com aplicação obrigatória. Em 2022, os recursos não poderão ser contingenciados, mas a garantia não é perene. O governo também quer retomar a discussão sobre a regulamentação de algum fundo já existente que apoie a política do seguro, como o Fundo de Catástrofe.
Tema de discussão interna há anos, a migração do público do Proagro para o PSR continua na pauta do governo, mas não avançou até agora devido à sua complexidade e às intempéries climáticas no meio do caminho. O tema já havia gerado polêmica e reclamações de entidades da agricultura familiar. Em Brasília, chegou a ser cogitada a edição de uma medida provisória para realizar as alterações, que eram defendidas pela ex-ministra Tereza Cristina.
O governo pretende migrar o público para diminuir a exposição ao risco do Tesouro Nacional com o Proagro, que pode interferir até no cumprimento do teto de gastos públicos, em épocas de grandes prejuízos no campo provocados pelo clima. No ano passado, o orçamento inicial de R$ 1,1 bilhão teve que ser suplementado duas vezes para atender a todos os comunicados de perda, e chegou a R$ 1,7 bilhão. Para 2022, o pedido foi de R$ 1,3 bilhão. O PSR teve aplicação de outros R$ 1,1 bilhão para subvenção ao prêmio no ano passado.
Uma das dificuldades para efetivar essa migração de público é a precificação do risco dos instrumentos acessados hoje pela agricultura familiar. O Proagro é feito por adesão, e o agricultor recebe a indenização se a produção for afetada por ação do clima, pragas ou doenças. Já o seguro privado, apoiado pela subvenção federal, só cobre prejuízos climáticos – a qualidade da lavoura depende do manejo do produtor.
O Inova Seguro, um estudo realizado pelo Projeto Euroclima+ no Brasil, com a parceria da Agência Alemã de Desenvolvimento (GIZ), listou 30 propostas para aumentar a resiliência dos produtores rurais brasileiros de pequeno porte no longo prazo. Entre os itens destacados está a transição dos recursos do Proagro Tradicional para aplicação na subvenção do seguro rural e a criação de uma política para a subscrição dos riscos.
“O mercado de seguros trabalha para aumentar capacidades. Existe um momento de menor capacidade, mas ele deve manter chama da demanda por Proagro acesa”, disse o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Gilson Martins, que coordenou o levantamento, em apresentação feita na terça-feira.
Fonte: Valor Econômico