Inédito, compromisso vai contemplar desde criação do bezerro
Em meio à crescente pressão de investidores internacionais e empresas brasileiras para que o governo federal tome medidas para conter o desmatamento da Amazônia, a Marfrig Global Foods, segunda maior indústria de carne bovina e a principal produtora de hambúrguer do mundo, anuncia hoje um compromisso para rastrear a origem de todo o gado abatido – desde a criação do bezerro.
A meta é implementar o rastreamento completo até 2025, evitando comprar gado em áreas desmatadas mesmo indiretamente. Os investimentos em sustentabilidade da companhia vão superar R$ 500 milhões até 2030 – a maior parte será aplicada nos primeiros cinco anos do plano. Na última década, o investimento da Marfrig em sustentabilidade chegou a R$ 270 milhões.
“É desafiador, mas alguém tinha que fazer”, afirmou Marcos Molina, fundador e controlador da Marfrig. A esperança dele é que, com o pontapé inicial dado pela empresa, governo e outros frigoríficos se engajem na missão.
Descontrole no desmatamento
Molina foi um dos empresários que participaram, na semana retrasada, da reunião virtual na qual o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, recebeu alguns dos signatários da carta que pedia medidas efetivas para proteger a Amazônia – o atual descontrole no desmatamento coloca as exportações de carne em risco.
A iniciativa da Marfrig, inédita na indústria frigorífica, vai além dos programas de monitoramento adotados ao longo dos últimos dez anos pelas companhias do setor – sobretudo as de maior porte. Atualmente, grupos como JBS, Minerva e a própria Marfrig monitoram o fornecedor direto, ou seja, aquele pecuarista que vende o boi gordo para os abatedouros.
No entanto, é no fornecimento indireto que está o principal gargalo, uma vez que as indústrias não têm controle sobre a pecuarista que vende o bezerro ou o boi magro para o fornecedor direto – nem todo produtor atua no ciclo completo da pecuária, da cria dos bezerros à engorda dos animais.
Marfrig Verde
Com o compromisso que anuncia nesta quinta-feira – o projeto foi batizado de “Marfrig Verde +” -, o objetivo é, gradualmente, rastrear também o fornecedor indireto. Para tanto, a companhia lançará mão de diversas ferramentas, como um mapa de mitigação de risco que já estava em construção e que vai sobrepor as regiões típicas de produção de bezerros com áreas de vegetação nativa, cruzando também com os dados dos alertas de desmatamento e as áreas das propriedades rurais dos fornecedores diretos da companhia.
“Se tenho alta presença de vegetação nativa, posso concentrar o esforço por regiões em função do risco”, disse o diretor de sustentabilidade da Marfrig, Paulo Pianez, executivo responsável pelo projeto. Pelo cronograma estruturado, o mapa entrará em operação no próximo ano.
O plano da Marfrig também passa pelo relacionamento com os fornecedores diretos, canal essencial para rastrear os indiretos. Entre as medidas do projeto da companhia, está a criação de linhas de crédito subsidiada para que os pecuaristas possam investirem genética e recuperação de pastagens e que poderão contar com recursos da companhia e de parceiros que se associem ao projeto – inclusive do mercado financeiro.
Regularização Ambiental
Programas de apoio à regularização ambiental também farão parte da iniciativa e são fundamentais do ponto de vista social, disse Pianez. “A abordagem que pretendemos fazer é positiva. Não é a de exclusão que sempre foi feita”.
Com o relacionamento com os pecuaristas azeitado, a Marfrig poderá conseguir mais dados sobre os fornecedores indiretos de cada um dos produtores que vendem gado para o grupo. Ainda não há detalhes sobre as medidas que serão adotadas, mas uma das ideias é contar com auditoria para verificar as Guias de Trânsito Animal (GTA) emitidas para a movimentação de animais entre o fornecedor direto e indireto. A partir do cruzamento dessas guias com o georreferenciamento de fazendas, pode ser possível detectar se as propriedades estão irregulares.
Na avaliação de Molina, o apoio do governo pode acelerar as metas de
rastreamento do gado, sobretudo se as GTAs, documento que foi criado para o controle sanitário e cujo acesso não é de domínio público, se transformar em uma ferramenta também ambiental. A proposta, que não é nova e já foi feita no passado por outros frigoríficos, enfrenta resistência. Um dos riscos apontados ao atrelar a emissão da GTA a questões ambientais é enfraquecer a política sanitária – o controle de vacinação, por exemplo – estimulando o transporte de animais sem a emissão do documento.
Fonte: Valor Econômico