Empresa de transporte marítimo, em comunicado enviado a clientes, menciona risco de uso de contêineres para atividades criminosas
A MSC, líder no mercado de frete marítimo internacional, anunciou a suspensão por tempo indeterminado de suas operações de estufagem de contêineres e transporte terrestre no Brasil. A decisão foi tomada em meio a um cenário de custos de frete em patamares recordes e dificuldades para obter escalas de embarque e contêineres para exportação. Desde o início deste ano, os exportadores brasileiros estão preocupados com o problema, que já vinha prejudicando o embarque e desembarque de bens e mercadorias nos portos brasileiros.
Em comunicado enviado a clientes, ao qual Globo Rural teve acesso, datado de 14 de janeiro, a empresa informa que a decisão tem efeito imediato. E relaciona a medida a questões relacionadas à segurança nas operações portuárias.
“A ação de criminosos que interceptam o transporte de contêineres para promover o comércio ilícito de drogas, vitimando, entre tantos, a nós, nossos clientes, e aos nossos parceiros, tem se mostrado uma grande ameaça às nossas atividades”, diz a empresa, no comunicado enviado a clientes.
A medida da empresa se estende a outros países da América do Sul. A Globo Rural entrou em contato com a MSC para entender as razões que levaram a companhia a tomar a decisão de suspender as operações em terra, mas a empresa não se pronunciou.
A decisão, no entanto, trouxe preocupação e mais incerteza entre representantes do setor logístico e de comércio exterior. “Ninguém estava preparado para essa medida e não sabemos se houve entendimentos prévios com relação aos órgãos de segurança, que é a quem cabe essa parte”, afirma o diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil, Aluísio Sobreira.
Segundo ele, trata-se de uma situação “atípica e inesperada, da qual não se tem todas as informações”. “É uma decisão que a gente entende que pode a vir impactar os custos do transporte, dado que é de conhecimento público e geral que o transporte de contêiner é realizado por poucos players, normalmente grandes transportadoras”, avalia Sobreira.
O diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), Arno Gleisner, também prevê impactos na cadeia logística nacional nos próximos meses após a suspensão das operações da MSC.
“Nós entendemos a posição da empresa como uma preocupação e pressão para que deixe de acontecer a utilização dos contêineres para o embarque de drogas, mas gostaríamos e preferiríamos que isso tivesse sido feito de uma forma diferente, porque ela realmente complica a exportação e vai fazer com que empresas brasileiras tenham menos opções de embarques de suas mercadorias”, destaca Gleisner.
Segundo ele, o agro tende a ser o setor mais afetado em função da diversidade de produtos exportados por contêineres – entre eles carnes, frutas, café, açúcar e madeira.
Sem conversa
Cliente da MSC, a Café Labareda tinha cerca de 15 conteineres programados pra serem embarcados quando a empresa anunciou a suspensão das suas operações em terra. Além da correria para encontrar novos fornecedores no serviço de entrega até o porto e estufagem, o diretor comercial da Café Labareda, Gabriel Lancha Alves Oliveira, conta que os transtornos gerados pela decisão da MSC peduram até hoje. “Dos conteineres que já tinham sido enviados pra Santos, nós não estamos conseguindo receber as documentações. Então esse acesso e essa comunicação que antes era fácil e ágil travou”, afirma o executivo.
A dificuldade na comunicação preocupa a Café Labareda, que tem enfrentado dificuldades para receber, entre outros documentos, o “Bill of Land” (ou “BL”), que comprova que o produto exportado foi entregue no porto. Na exportação do tipo FOB (Free on Board), a mais comum no setor, o documento é necessário para comprovar a execução do contrato e solicitar o pagamento pela carga exportada. “Se eu vou fazer o câmbio com o banco, o banco pede esse docmento para travar o preço. É um documento que comprova o recebimento”, explica Oliveira.
Nos serviços de frete marítimos já contratados, e que ainda estão sendo prestados pela MSC, o diretor comercial da Café Labareda diz que também enfrenta problemas. “Eu não consigo agendar alguns navios já pré-datados com eles, e ninguém responde. Quando responde, às vezes, não dá o preço. Quando dá preço, eu vou fechar, não respondem confirmando agendamento. É um problema grave”, reclama o exportador, ao ressaltar que a empresa já está buscando novos fornecedores para substituir a MSC em suas operações.
“Era um serviço que eles prestavam que não era o core business deles, o foco deles é ter o transatlântico, colocar o navio e fretar até o destino. E hoje eles estão ganhando muito dinheiro com isso e focaram só nisso”, avalia Oliveira.
Contaminação é problema antigo
O agronegócio está entre os principais setores atingidos por contaminações de carga, segundo profissionais que atuam na área de comércio exterior e no controle de fronteiras. “Temos comércio com 215 países do mundo, e mais de 50% da nossa carga é de origem agropecuária. Então, naturalmente, vai ser uma carga muito contaminada. Não que outras cargas não sejam, mas a carga de predileção em termos de proporcionalidade é a agropecuária”, conta um deles. “Houve um incremento disso, é perceptível”, afirma.
Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários e das Transportadoras de Contêineres (ABTTC), Wagner Souza, a contaminação de contêineres com drogas é um problema antigo do setor e que já vinha sendo enfrentado. “Temos percebido que eles [traficantes] vêm aperfeiçoado os métodos de contaminar contêiner e enviar drogas ao destino final. Então, estamos sempre correndo atrás para entender que novidades estão sendo implementadas para aperfeiçoar o controle e ser mais efetivo”, destaca o executivo.
Ações da Polícia Federal (PF) com apreensões de drogas em contêineres têm sido recorrentes. Em uma delas, realizada no Paraná, no dia 28 de janeiro, foram cumpridos oito mandados de prisão temporária e nove mandados de busca e apreensão em Paranaguá, Matinhos (município no litoral do Estado) e Piraquara, na região metropolitana de Curitiba.
“Os investigados são responsáveis por fornecer informações privilegiadas sobre posições, rotas e cargas dos contêineres para subsidiar organizações criminosas em ações no Porto de Paranaguá, além de movimentarem os contêineres de forma a possibilitar a inserção dos carregamentos de cocaína dentro do pátio do terminal portuário”, informou, em nota, a superintendência da (PF) no Paraná.
Quem contamina os contêineres não considera, necessariamente, o conteúdo, mas o destino. Segundo um agente federal que atua no controle de fronteiras, entre as rotas mais cobiçadas pelos traficantes estão as que vão para os portos europeus de Antuérpia, na Bélgica, Algeciras, na Espanha, e Roterdã, na Holanda.
“É um problema que sempre existiu e agora está sendo mais exposto e mais divulgado. O que eu já ouvi de funcionário dessa e outras empresas é que isso está manchando o nome deles, prejudicando clientes que não têm nada a ver com a situação”, observa o agente.
“Hoje, há um fenômeno que contribui de maneira indireta: a falta de contêineres no mundo. E a América do Sul participa muito pouco do mercado global de movimentação de contêineres. A empresa tem como redirecionar o contêiner dela para qualquer outro canto do mundo e continuar tendo lucratividade com baixo risco. Por isso, não é uma coisa pontual, tem uma estrutura maior por trás dessa decisão”, avalia o profissional.
‘Recado’ para exportadores brasileiros
Na avaliação do diretor-executivo da ABTTC, a decisão da MSC pode ser um recado para os exportadores brasileiros ficarem mais atentos ao contratar serviços logísticos. “Eu penso que a decisão foi tomada para trazer ao debate, principalmente dos exportadores, que eles precisam participar mais do processo logístico e escolher melhor seus prestadores de serviço. Nós acompanhamos e vemos muitos exportadores que contratam empresas que sequer têm autorização do órgão aduaneiro para fazer o processo de exportação e isso é um risco tremendo”, pontua Souza.
Gleisner, da Cisbra, reconhece que há “elos fracos” na fiscalização e controle das cargas exportadas pelo Brasil. “Esses elos fracos não são só na Polícia. As próprias empresas têm que examinar isso com seu pessoal especializado em logística e com seus parceiros e fazer o trabalho de fiscalização para saber onde estão os pontos fracos e ajudar para que eles deixem de ser locais em que há introdução de drogas – seja no depósito, seja no transporte de caminhão”, ressalta o executivo.
Além das consequências legais de ter uma carga contaminada com drogas, as empresas vítimas desse tipo de crime ainda enfrentam os custos milionários relacionados a tarifas e taxas cobradas pelo operador portuário durante o período em que a carga fica parada aguardando a perícia policial. “É preciso entender que quando uma carga dessas é contaminada, muitas vezes o dono perde a carga, o seguro não quer arcar com as despesas e quem não tem nada a ver com aquilo ali e que é prejudicado”, afirma um agente de fiscalização, ao classificar como “ultrapassado” o modelo adotado no Brasil.
“É uma guerra na qual o Brasil não está concentrando os esforços da maneira que devia para combater. As estruturas são pequenas, estão defasadas, falta legislação, funcionários, então está aquém do necessário”, afirma o agente federal. Segundo ele, a contaminação de cargas é uma situação “corriqueira” nos portos e fronteiras brasileiros. E o país deveria adotar um modelo de fiscalização centralizado num único órgão, concentrando uma atuação que hoje é feita de modo compartilhado pela Polícia Federal, Receita Federal, Fiscalização Agropecuária e até mesmo Ibama.
“Isso tem a ver com a estrutura dos portos, dos órgãos públicos, com a falta de pessoal. São quatro a cinco órgãos trabalhando de maneira simultânea quando poderia ser um órgão só fazendo o controle com uma filosofia de trabalho única, com organização própria, com carreiras próprias ou que emprestasse funcionários para esse órgão funcionar. Mas o Brasil está muito atrasado em relação a isso”, completa o agente.
Procurados, a Polícia Federal e a Receita Federal não retornaram os pedidos de entrevista enviados pela reportagem. O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), entidade que representa as empresas de navegação, também foi procurado, mas não se manifestou.
Fonte: Globo Rural