Estudo da Conab avalia papel da perda de grãos na redução do desperdício de alimentos

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Objetivo da análise é avaliar a dimensão da perda de grãos nos últimos 21 anos em nível nacional e mundial, e destacar sua representatividade com base em parâmetros monetários e de conteúdo energético para a dieta humana.

O aumento populacional requer cada vez mais esforços para o enfrentamento da demanda por alimentos no mundo, buscando-se alternativas que não se restringem exclusivamente ao incremento nas áreas de produção e produtividade das culturas.

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Nesse sentido, o papel das perdas e desperdícios de alimentos tem sido amplamente discutido e é também destaque no mais recente estudo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O objetivo da análise é avaliar a dimensão da perda de grãos nos últimos 21 anos em nível nacional e mundial, e destacar sua representatividade com base em parâmetros monetários e de conteúdo energético para a dieta humana.

O documento faz uma análise sobre as perdas de grãos no mundo, ocorridas em todas as etapas da cadeia produtiva, desde a lavoura à mesa do consumidor. E ressalta ainda a necessidade de que, neste momento e para as próximas décadas, a humanidade volte seus esforços para a questão das perdas e desperdícios de alimentos.

A Conab já promoveu outras iniciativas sobre este tema, como o Seminário Internacional sobre Perdas na Armazenagem e Transporte de Grãos, realizado em novembro de 2018, em parceria com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Mais recentemente, coordenou também o seminário Mitigar o Déficit de Armazenagem do Brasil, em maio de 2021, e a produção do livro Perdas em Transporte e Armazenagem de Grãos: panorama atual e perspectivas, lançado no mesmo ano. Com relação às análises do compêndio atual, o conteúdo completo pode ser conferido clicando aqui.

Representatividade de suas perdas – âmbito mundial e do Brasil

Não há como fazer referência ao tema de perda de grãos no mundo sem, preliminarmente, ter a percepção da dimensão de sua produção.

Ao considerar os produtos arroz, cevada, milho, soja e trigo, que representaram juntos mais de 90% da produção mundial de grãos nos últimos 21 anos, somente 10 países foram responsáveis pelo montante predominante dessa produção, alcançando 69,7%.

Desses, quatro nações responderam por mais de 50% dessa produção, tendo o Brasil ocupado a quarta posição, com fatia percentual de 6,2%, conforme Gráficos 1 e 2.

Gráfico 1 – Produção Mundial de Grãos – arroz, cevada, milho, soja e trigo – 2000 a 2022 – 50,7 bilhões de toneladas. Fonte: Faostat (2021). Adaptado de Embrapa (2021).

Gráfico 2 – Dez maiores produtores mundiais de grãos – arroz, cevada, milho, soja e trigo – 2000 a 2020. Fonte: Faostat (2021). Adaptado de Embrapa (2021).

O recorte do último ano desse período analisado não se mostrou distinto, evidenciando para os mesmos grãos predominantemente produzidos no mundo, que 72,1% advieram dos mesmos 10 países, com variações apenas nas posições ocupadas entre si na ordenação entre os maiores produtores (Gráficos 3 e 4).

Gráfico 3 – Produção mundial de grãos – arroz, cevada, milho, soja e trigo – 2020 – três bilhões de toneladas. Fonte: Faostat (2021). Adaptado de Embrapa (2021).

Gráfico 4 – Dez maiores produtores mundiais de grãos – arroz, cevada, milho, soja e trigo – 2020. Fonte: Faostat (2021). Adaptado de Embrapa (2021).

Quando analisada a dinâmica de produção nesse período (Gráfico 5), o mundo apresentou um aumento acumulado de 50% na produção total desse grupo de produtos, carreado principalmente pela evolução no Brasil (108,9%), seguido da Rússia (70,77%), e Argentina (68,61%). Em que pesem razões específicas para cada nação, esse panorama produtivo em franca evolução teve como causa principal, a incorporação de novas tecnologias com geração contínua de aumento na produtividade.

Consoante ao crescimento na produção mundial de grãos, projeta-se também no período, um aumento substancial no montante perdido, tendo em vista a relação percentual entre as variáveis.

Apesar da significativa variação nos índices divulgados para perdas de grãos no mundo, é representativo considerar o percentual médio de 15% para perdas de grãos, considerando todas as etapas da lavoura à oferta ao consumidor (colheita, armazenagem, transporte e processamento), tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo.

De forma rotineira, são atribuídas projeções para perdas de grãos no Brasil de no mínimo 10%, considerando somente a perda quantitativa, tida como predominante. Com base nesse patamar, ao considerar a produção mundial de grãos obtida em 2020 (arroz, cevada, milho, soja e trigo), no total de 3,05 bilhões de toneladas (Infográfico 1), é possível projetar uma perda de 458,1 milhões de toneladas.

Em termos monetários, na cotação dolarizada média de março de 2022, para cada produto, e nas devidas proporções perdidas para cada tipo de grão, esse montante de perda representa, aproximadamente, US$176,1 bilhões, valor superior ao PIB de mais da metade dos países da América Latina e Caribe somados.

No âmbito nutricional, como fonte energética na dieta humana, a projeção da perda de grãos em 2020 representou 1.660 trilhões de kcal, considerando os devidos quantitativos perdidos para cada tipo de grão e sua composição em energia (kcal), de acordo com Franco (2003).

Com base na recomendação de ingestão calórica diária de 2.500kcal/dia, por indivíduo adulto e com saúde normal, realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), essa perda possibilitaria suprir a demanda energética de 1,8 bilhões de pessoas, durante 365 dias, mais do que o dobro do quantitativo de pessoas que enfrentaram a fome no mundo durante o ano de 2020, 811 milhões, conforme estimativa divulgada em relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em julho de 2021.

No âmbito do Brasil, o montante perdido e sua representatividade também se mostram impactantes. Adotando-se o mesmo ano para fins de comparação com a produção mundial em 2020, o país teve produção estimada de 244,8 milhões de toneladas considerando, juntos, arroz, milho, soja e trigo, aproximadamente 95% da produção nacional de grãos naquele ano. Ao se empregar o mesmo referencial de 15% como parâmetro percentual para perdas de grãos, a projeção do montante perdido no Brasil, em 2020, corresponde a 36,7 milhões de toneladas (Infográfico 2).

Na cotação semanal de março de 2022 (21 a 25 de março), preço pago ao produtor, de acordo com Conab, considerando as devidas proporções perdidas para cada produto, o valor monetário corresponderia a R$ 84,8 bilhões. São valores muito significativos, e que causam impacto quando os transformamos em produtos de outra natureza.

A exemplo, do contraste com valores de cestas de alimentos, sobremaneira pertinente, uma vez que o alvo central do objeto em discussão é o enfrentamento da fome. Para tanto, adotando a cesta de alimentos padrão Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), base para o dimensionamento do salário mínimo no Brasil, com cotação para o mês de fevereiro de 2022 de R$ 629,04, o valor perdido projetado permitiria adquirir 134,8 milhões de cestas.

Como esse padrão de cesta é dimensionado para suprir a necessidade de um trabalhador adulto durante 30 dias, isso corresponderia ao suprimento alimentar de 11,2 milhões de pessoas por ano, cerca de 59% das pessoas que enfrentaram a fome no Brasil no ano de 2020, conforme estimativas do Governo Federal.

De forma análoga à perda mundial de grãos e seu correspondente em calorias, a projeção do montante de grãos perdidos no Brasil, em 2020, corresponderia a 139,3 trilhões de kcal, o que, por conseguinte, atenderia a demanda energética 152,6 milhões de pessoas, durante 365 dias. Em contraste com o parâmetro da fome no Brasil naquele ano, o montante perdido de grãos, sob a ótica estritamente energética, suprimiria oito vezes a necessidade energética de toda a parcela da população brasileira que enfrentou essa adversidade.

Desperdício de alimentos

As perdas de grãos no mundo, ocorridas em todas as etapas da cadeia produtiva, desde a lavoura à mesa do consumidor, representam parcela de incontestável significância na perda e desperdício de alimentos como um todo. Não somente pelos seus elevados quantitativos absolutos, mas também por representarem a principal fonte energética da dieta humana, devido à sua rica constituição em carboidratos.

O tema em questão deve ser melhor analisado, quanto mais no Brasil, por sua expressão na produção mundial de grãos em contrapartida às suas dificuldades de logística na armazenagem e transporte, com fins de se buscar um diagnóstico preciso do problema, visando à criação de políticas públicas e adoção de ações que realmente sejam efetivas quanto à minimização e/ou mitigação de tal questão.

A perspectiva que se tinha décadas atrás, a exemplo do que já abordava o professor da Cornell International Agriculture, Malcolm C. Bourne, em 1977, de que a sustentação para enfrentar a demanda de alimentos no mundo, devido ao aumento populacional, residia em incrementar as áreas de produção, associada à elevação na produtividade das culturas e no número de safras por ano, não se respaldam atualmente como estratégias exclusivas, por diversas razões que as limitam, sejam de cunho biológico quanto ambiental.

Neste momento e para as próximas décadas, associando-se aos aspectos destacados à época pelo professor Bourne, a humanidade necessita voltar seus esforços para a questão das perdas e desperdícios de alimentos. Ações que as minimizem, mesmo que pontuais, poderão gerar reflexos positivos importantes no enfrentamento da fome que assola parcela expressiva da humanidade.

Fonte: Conab

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