Pesquisa da Embrapa aponta que o consórcio com o milho garante resultados mais rápidos e rentáveis ao setor produtivo da cana-de-açúcar (agricultores e usineiros) no Cerrado. A tecnologia permite antecipar o plantio da cultura da cana-de-açúcar para o início do período chuvoso, o que amplia a janela de plantio e “desafoga” a implantação do canavial que é mais concentrada no mês de março.
Além disso, o plantio em consórcio com a cultura de grãos anula qualquer risco de o produtor de cana não ter a área disponível para o plantio em caso de arrendamento, quando muitas das vezes a colheita da cultura que antecede o plantio da cana atrasa. A cana consorciada, considerada como cana de ano, apresenta rendimentos compatíveis com a cana de ano e meio. Trata-se de uma visão inovadora em relação ao sistema de plantio de cana-de-açúcar utilizado no Brasil, que alia ainda sustentabilidade à produção, por proteger o solo da erosão e intensificar o uso conjunto da terra.
Ao contrário do que ocorre com as culturais anuais no Cerrado, como soja e milho, cujo plantio é feito integralmente no início do período chuvoso, o da cana-de-açúcar é realizado no fim das chuvas, por volta do mês de março. Essa estratégia é utilizada pelos agricultores e usineiros para otimizar o desenvolvimento da planta, já que o rebrote inicial da cana é muito lento quando semeada em novembro/dezembro.
“O problema é que o período em que ela de fato começa a crescer coincide com o início da seca, o que acaba impactando sua produtividade”, explica o pesquisador da Embrapa Cerrados (DF) João de Deus, líder do projeto Consórcio cana-de-açúcar e milho para intensificação sustentável da produção de açúcar e etanol no Cerrado (Canamilho).
Uma das grandes vantagens da tecnologia é desafogar o plantio de março, já que traz para o início do período chuvoso o plantio de parte da cana que seria plantada só no fim das chuvas. A cana é plantada como se fosse cana de ano (12 meses), mas se comporta como uma cana de ano e meio (18 meses).
“Quando consorciada com milho no início do período chuvoso, a cana-de-açúcar apresenta excelente brotação, porém, paralisa o crescimento devido à competição por luz. Somente retoma o perfilhamento após a colheita do milho no fim do período chuvoso. Assim, a cultura é plantada de forma antecipada, mas fica em modo de espera até o fim do período chuvoso, quando o milho é colhido. Trata-se de uma visão inovadora em relação ao sistema de plantio de cana-de-açúcar utilizado no Brasil”, explica o especialista.
A tecnologia proposta ajuda também a resolver um importante problema, que é a janela estreita de plantio, visto que no sistema de consórcio não há razão para a pressão na retirada da cultura de grãos da área, uma vez que a cana já estará plantada.
Mas, se parte da cana-de-açúcar no Cerrado é plantada no fim do período chuvoso, outra parte é plantada no início das chuvas, já que não é possível renovar toda a área de canavial com plantios no sistema de cana-de-açúcar de ano e meio (a taxa de renovação dos canaviais é de 10% a 20% ao ano). O manejo adotado atualmente, no entanto, expõe o solo a risco de erosão, devido ao espaçamento largo (1,5m). Com a utilização da cultura intercalar do milho esse problema é minimizado, pois o solo é rapidamente coberto pela área foliar de ambas as culturas. Dessa forma, além de contribuir para otimizar a logística de plantio do canavial das usinas, a tecnologia também auxilia na intensificação do uso da terra e na proteção do solo.
Experimentos mostram que consórcio gera ganho significativo de receita bruta
De acordo com os resultados obtidos pelos pesquisadores, a renovação do canavial por meio do plantio da cana consorciada com milho é promissora e economicamente viável. “Observamos que a produtividade do milho não foi afetada pela competição com a cultura da cana-de-açúcar, bem como a brotação e perfilhamento da cana não foram impactados pela consorciação, após a colheita do milho”, informa João de Deus.
Segundo o levantamento feito a partir dos experimentos implantados em Planaltina (DF), Dourados (MS) e Jaguariúna (SP) a produtividade média do milho foi de 8,5 t/ha, sendo o maior valor de 14 t/ha e menor 5,7 t/ha. “Em nenhuma das situações a produtividade do milho consorciado com cana-de-açúcar foi menor do que o cultivo solteiro”, afirmou. A média de produtividade de colmos de cana dos experimentos (130 toneladas/ha) e o açúcar total recuperável (ATR) da cana não foram afetados pelo consórcio com o milho. Nessa comparação, o sistema consorciado de cana e milho foi plantado no início do período chuvoso (outubro/novembro), com a colheita do milho em março do ano seguinte. A cana solteira foi plantada em sucessão ao cultivo de milho solteiro também em março.
O pesquisador Cesar José, da Embrapa Agropecuária Oeste (MS), foi o responsável por avaliar a tecnologia na região de Dourados (MS). A avaliação do sistema foi feita por duas safras. Inicialmente num experimento-piloto na Embrapa, depois numa propriedade rural parceira em escala de produtor. Segundo ele, além de confirmar que o sistema não afeta a produtividade do milho, também se mostrou bastante eficiente do ponto de vista de retardar o desenvolvimento inicial da cana plantada em novembro. “Esse objetivo de ter uma cana plantada anualmente com desenvolvimento fisiológico de um ano e meio também foi plenamente alcançado”, afirmou.
Ele acredita que a tecnologia pode ter uma boa adesão principalmente nas regiões que possuem clima de inverno mais bem definido. Alguns desafios, no entanto, precisarão ser superados para que o sistema possa ser plenamente adotado na região sul do estado sul-mato-grossense. Um desses entraves é a pouca aptidão para milho dessa região, por conta dos seus solos arenosos de baixa fertilidade, o que necessitará inicialmente de correção das áreas. “Outro obstáculo para a adoção da tecnologia é que por conta dos altos preços da soja, a cultura acaba impactando positivamente o sistema de renovação dos canaviais. Ainda temos uma curva de posicionamento da tecnologia para alcançar, mas acreditamos que seja plenamente viável”, afirma.
De acordo com as análises socioeconômicas do sistema, referentes aos resultados avaliados em Dourados (MS) nas safras 2018/19 e 2019/2020, a renda bruta da cana de ano foi de R$ 1.693,00/ha. Já no sistema cana de ano com plantio em novembro, consorciada com milho-verão colhido em março, a renda bruta das duas culturas foi de R$ 6.898,00/ha. “Então, quando comparamos o sistema de cana de ano com o sistema de cana/milho temos um ganho significativo em termo de receita bruta. Isso é um argumento bastante interessante para o posicionamento da tecnologia”, acredita.
Tecnologia beneficia usinas flex e reduz emissão de carbonoA tecnologia do consórcio também é uma excelente opção para as usinas flex, nas quais o milho é utilizado para a produção de etanol. Estudos de avaliação de desempenho ambiental e econômico entregues como base para financiamento (BNDES) de usinas integradas com essas duas culturas demostraram que esse tipo de arranjo apresenta bom desempenho tanto econômico quanto ambiental. A nova política de biocombustíveis (RenovaBio) sinaliza o apoio e o incentivo por parte do governo à essa integração.A partir dela, é possível aos produtores mais eficientes e menos emissores serem beneficiados com créditos de descarbonização, denominados CBIOs, quando se evita a emissão de uma tonelada de gás carbônico (CO2) na produção de um determinado biocombustível. Até 10 de dezembro de 2020, o valor médio de comercialização de um CBIO era de R$44,58 (fonte: B3, do Ministério de Minas e Energia – MME), o que significa uma renda extra aos produtores.“Como o etanol é um dos bicombustíveis mais produzidos no Brasil e sua fonte pode ser de cana ou milho, o produtor que conseguir cultivar numa mesma área as duas culturas pode se beneficiar dessa política. Para isso, ele deve ter sua cultura agrícola elegível, de forma a determinar um volume de biocombustível apto a participar da política, além de calcular a sua nota de eficiência energético-ambiental (NEEA), usando a ferramenta denominada RenovaCalc. Quanto maiores a nota e o volume elegível, maior será o acesso aos CBIOs”, explica a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna/SP) Nilza Patrícia.De acordo com os Painéis Dinâmicos do Renovabio, a NEEA, média proveniente das usinas exclusivas de cana (E1GC), é de 59,93 g CO2eq/MJ (índice que mede a emissão de GEE por unidade de energia) por etanol hidratado, enquanto a NEEA média de uma usina Flex (E1GFLEX), que processa cana solteira e milho solteiro, é de 62,04 g CO2eq/MJ de etanol hidratado. Ou seja, a associação da cana com o milho na geração de biocombustíveis pode evitar 3,5% de emissões para as condições atuais. “Com a ocupação conjunta da terra possivelmente serão reduzidas distâncias de transporte e poderá haver aproveitamento de insumos, contribuindo ainda mais para a melhoria no desempenho ambiental do etanol”, acredita a especialista. Acesse aqui a publicação Consórcio de Cana-de-açúcar com Milho: recomendações de manejo para a região do Cerrado. |
Manejo de plantas daninhas
Pesquisadores também estudam o manejo de plantas daninhas desse tipo de consórcio. “Temos que ficar atentos a estratégias para evitar a fitointoxicação ou perda de produtividade para algumas das culturas, seja relacionada aos herbicidas ou por conta da interferência das plantas daninhas”, alerta a pesquisadora da Embrapa Cerrados, Nubia Correia. Segundo ela, o importante é que seja adotado um manejo que permita que o milho seja colhido sem plantas daninhas, o que facilita o manejo da cana-de-açúcar.
Outro ponto destacado pela especialista é que o herbicida a ser utilizado tem que ser seletivo das duas culturas dentro de doses que elas toleram. “Então temos que fazer uma escolha assertiva desses produtos para que eles não ocasionem nenhum tipo de dano nem no milho e nem na cana-de-açúcar. Felizmente temos algumas opções no mercado que atendem esses critérios com facilidade”, informa. A pesquisadora pontua, ainda, que o desenvolvimento da cana pode interferir no do milho. “Nesse caso, se o crescimento da cana está maior do que o do milho nós temos que ficar atentos. É preciso entrar com algum tratamento químico que ocasione estresse na cana para que ela trave o crescimento e não provoque nenhum tipo de interferência no milho, ocasionando perda de produtividade”, explica.
Fonte: Embrapa