A expectativa de que a agropecuária possa salvar o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, evitando uma dolorosa recessão, está sob ameaça. A piora das condições climáticas está pondo em risco a safra recorde, dada como certa há algumas semanas. A produção de grãos, de leite e até a pecuária vem sendo prejudicada por um clima mais desfavorável do que o registrado no início do plantio da safra 2021/22. O ano passado começou bem no campo, mas terminou mal. Agora, o risco é que já comece negativo.
Conforme relatou o Valor (7/1), enquanto o Paraná divulgava na semana passada uma estimativa para sua safra de grãos quase 40% menor do que a anterior, por conta da estiagem, o Tocantins, que integra a fronteira produtora de soja conhecida como Matopiba, ao lado do Maranhão, Piauí e Bahia, decretava estado de emergência pelo excesso de chuva. A chuva em demasia causa problemas no desenvolvimento da soja e também dificulta a colheita mecanizada.
O impacto negativo do fenômeno climático La Niña era esperado. Começou em meados do ano passado e não chegou a prejudicar a safra de soja, que já havia sido plantada e foi recorde. Neste ano, porém, as consequências do La Niña se anteciparam e estão sendo potencializadas por outro fenômeno, o aquecimento das águas do Atlântico Equatorial, que banha o Nordeste.
Antes dessa virada do clima, as previsões feitas há um mês eram bastante positivas. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projetavam safra recorde. A mais recente estimativa da Conab era de produção de grãos com volume recorde de 291,1 milhões de toneladas, 15% superior ao de 2020/21, quando a lavoura de milho foi afetada pela falta de chuvas, e de aumento da área cultivada. Na estimativa do IBGE, que compreende o ano fechado, a safra também seria superior à de 2021 em 10% para 278 milhões de toneladas, e o clima era considerado favorável.
Estimativas mais atualizadas do efeito climático adverso na produção agropecuária serão divulgadas pela Conab nos próximos dias, mas o Valor apurou junto a consultorias privadas que a colheita brasileira de soja não vai atingir novo recorde, mas sim vai encolher de 11 milhões a 14 milhões de toneladas na comparação com 2020/21, resultado puxado principalmente pelos problemas no Paraná. No Rio Grande do Sul, as perdas parecem mais severas nas culturas do milho e do arroz. O clima afeta também a pecuária e a produção de lácteos, ao influenciar a disponibilidade de alimentos para os rebanhos nos locais já mencionados e em Minas Gerais.
O novo quadro pode frustrar a expectativa de que a agropecuária poderia sustentar a economia neste ano, evitando a temida recessão. A agropecuária representava 6,8% do PIB no terceiro trimestre do ano passado, segundo o IBGE, e o agronegócio, ao redor de 27%, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em novembro, o Bradesco chegou a estimar em 5% o crescimento do PIB agropecuário neste ano. Pouco antes do Natal, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) falava em crescimento de 2,8%. Depois disso, porém, os efeitos do fenômeno climático La Niña se intensificaram, causando forte estiagem nos Estados do Sul e no Mato Grosso do Sul, e chuvas abundantes em Tocantins e Bahia, pondo em dúvida as projeções.
A eventual redução da produção, por outro lado, tende a manter elevados os preços dos produtos agropecuários, tornando-se uma resistência à esperada redução da inflação. A CNA alerta para a expectativa de aumentos nos preços dos insumos, como fertilizantes, defensivos, combustíveis e até do crédito rural, que ficarão mais caros com a elevação dos juros e com o câmbio pressionado.
No ano passado, os alimentos já foram um dos fatores importantes de alta da inflação. A alimentação em domicílio acumulou em 2021 até novembro alta de 9,66%, até acima dos 9,26% registrados no mesmo período pelo IPCA. Outro indicador mostra alta até maior. O preço das commodities agropecuárias carne de boi, carne de porco, algodão, óleo de soja, trigo, açúcar, milho, arroz, café, suco de laranja e cacau capturado pelo IC-Br pelo Banco Central (BC) teve alta de 45,23% no ano passado.
O quadro indica que pode não vir da agropecuária o esperado contrapeso na atividade econômica ao impacto negativo já esperado do lado da indústria, nem algum alívio importante na frente da inflação.
Fonte: Valor Econômico