Cientistas do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC), ligado à Universidade de Campinas (Unicamp), e da Embrapa desvendaram como agem os micro-organismos que ajudam o milho a enfrentar a escassez de água. Os pesquisadores brasileiros relatam a descoberta em um artigo que a revista científica “Frontiers in Microbiology” publicará hoje.
Na pesquisa, os cientistas primeiro identificaram e catalogaram os milhares de micro-organismos que vivem nas plantas de milho. Depois, eles registraram os efeitos da interação entre essas estruturas microscópicas e as plantas. Nessa análise, os pesquisadores detectaram quais dos diferentes fungos e bactérias melhoram a resistência do milho a episódios de estresse hídrico e descobriram como é, na prática, a ação dos micro-organismos “antisseca”.
Os cientistas produziram um insumo biológico com uma seleção dos micro-organismos que estavam mais presentes nas plantas mais resistentes à falta de água. Para avaliar o efeito desse composto, os pesquisadores o aplicaram em sementes de milho e compararam as plantas nascidas dessas sementes às que não receberam a solução.
No milho que recebeu o composto, a temperatura das folhas chegou a cair 4°C quando as plantas foram submetidas a um calor intenso. Foi graças à ação dessa “comunidade sintética” de micro-organismos que as temperaturas caíram: eles melhoraram o fluxo de água nas plantas.
A descoberta sobre a dinâmica de funcionamento dos fungos e bactérias do milho é inédita na literatura científica, segundo Paulo Arruda, professor da Unicamp e coordenador do GCCRC. Esses micro-organismos “comunicam” à planta quando há escassez de água, diz. A sinalização dada pelas bactérias ativa os genes da própria planta para que ela reaja aos diferentes níveis de umidade. “A comunidade de micro-organismos sintéticos funciona como um ‘antitérmico’ da planta”, explica o professor.
O experimento com a aplicação do insumo biológico foi feito em 2019. Ao longo de quatro meses, os pesquisadores acompanharam o desenvolvimento de um total de 500 plantas, geradas a partir de três diferentes tecnologias de sementes. Em condições normais de acesso à água, não houve diferença de desempenho entre as que receberam o composto e as que não receberam, mas o contraste ficou evidente nos episódios de estresse hídrico.
Em condições de estiagem severa, com acesso a apenas 25% da água que normalmente receberiam, as plantas nascidas das sementes que receberam o insumo biológico chegaram a ter produtividade três vezes maior do que as que não receberam, conta Jaderson Armanhi, pesquisador do GCCRC e autor do estudo. “O produto biológico acaba funcionando como um seguro da planta”, diz.
Armanhi é biólogo molecular de formação, mas, para o estudo, ele também enveredou por áreas como engenharia eletrônica e programação para desenvolver, ele próprio, os sensores que mediram parâmetros como temperatura, fluxo de água e fotossíntese das plantas. “Os sistemas atuais são muito caros”, diz. Com medição em tempo real – outra característica que diferencia o modelo usado no estudo dos sistemas convencionais -, Armanhi e os pesquisadores Rafael de Souza, Bárbara Biazotti (Unicamp) e Juliana Yassitepe (Embrapa) levantaram mais 5 milhões de dados.
Para que se possa compreender que efeitos práticos pode ter a descoberta do grupo de cientistas, a última safra brasileira de milho é bastante eloquente. Problemas causados principalmente pela falta de chuvas nas lavouras reduziram em 15% a produção de milho no país na temporada passada. A colheita da safrinha, mais diretamente atingida pela estiagem, caiu mais de 20%.
Fonte: Valor Econômico