Comércio entre China e Brasil tem frete em patamar recorde, e outros trajetos já sentem os mesmos efeitos
O caos logístico global e a disparada nos fretes marítimos provocados pela pandemia deverão se estender ao menos até 2022. Isso significa preços altos e prováveis atrasos na chegada de produtos pelos próximos meses.
O mercado tem operado no limite, com escassez de contêineres e falta de navios em todo o mundo. Com o início da temporada de pico o terceiro trimestre, em que empresas abastecem seus estoques para o fim de ano, a situação não só deve se prolongar, como poderá se agravar, avaliam especialistas do setor.
No Brasil, o comércio com a China foi o mais afetado, o que se reflete nos fretes marítimos em patamar recorde. Nas rotas de importação vindas da China, o frete médio registrado em julho de 2021 foi 7,35 vezes maior do que há um ano, segundo dados a Logcomex. Atualmente, a rota Xangai-Santos apresenta custo de US$ 11 mil por contêiner de 20 pés, contra US$ 1.500 em agosto de 2020. É um nível histórico, que não deve recuar tão cedo.
Hoje, não é apenas a importação da China que está com fretes acima do normal. O custo do transporte vindo da Europa triplicou desde março deste ano. As rotas do Golfo também estão pressionadas, e os trajetos vindos dos EUA, que estavam sob controle, dispararam nas últimas semanas, em meio aos congestionamentos nos portos americanos.
Analistas e executivos definem a situação como caótica. “No Brasil, não há navio chegando dentro da janela. Nenhuma rota está operando normalmente. Isso reflete a situação mundial”, afirma Luigi Ferrini, vice-presidente sênior da Hapag-Lloyd no Brasil.
“A preocupação é muito grande, e se agravou nos últimos meses. Antes, era algo concentrado nas importações da China, mas já afeta todos os mercados”, diz Matheus de Castro, especialista em Infraestrutura da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
A logística global vive uma “tempestade perfeita”. Além do descompasso entre oferta e demanda no mercado, há atrasos na liberação das cargas, eventos extraordinários (como o bloqueio do canal de Suez, em março) e surtos de covid19, que provocam bloqueios na chegada de navios, afastamento de funcionários e fechamento de terminais como no porto chinês de Ningbo, o terceiro maior do mundo em movimentação de contêineres, que está parcialmente fechado há mais de uma semana.
Tudo isso, em meio a uma retomada global das atividades, impulsionada por estímulos econômicos de governos, como o dos EUA, ressalta Leandro Barreto, sócio da Solve Shipping.
Para o Brasil, o impacto principal virá no atraso e no preço final dos itens importados. “Não acredito que haverá falta de produtos”, diz Barreto. O analista da CNI também não prevê escassez de itens importados. “Os produtos seguem
chegando, embora com atrasos e mais caros.”
Para exportadores, os fretes não tem mostrado a mesma disparada. Porém, também há problemas, pela dificuldade para encontrar espaço nos navios e disponibilidade de contêineres.
A crise afeta todos os segmentos que usam contêineres, diz Castro: calçados, vestuário, higiene pessoal, eletrônicos, equipamentos, alimentos, frutas, carnes refrigeradas, celulose, veículos. “É um efeito generalizado”, afirma.
Ferrini, da Hapag-Lloyd, ressalta que o problema atinge principalmente os clientes que dependem do mercado “spot” (de curto prazo). A maioria dos grandes grupos têm acordos de longo prazo com as empresas de navegação, o que garante mais estabilidade nos valores do frete.
A situação dramática vai persistir e ainda há risco de piora nos próximos meses, avalia Carlos Souza, diretor de operações da Logcomex. “A sazonalidade histórica mostra um aumento nos fretes nesta época, principalmente nas rotas da China”, afirma.
Ferrini acredita que não haverá pico de demanda neste trimestre porque o mercado já está no limite. “Quem quiser comprar mais não vai conseguir porque não tem espaço.” Ele prevê que a situação pode durar até o segundo trimestre de 2022. Para a Maersk, os congestionamentos e fretes mais altos devem seguir ao longo no
segundo semestre, até 2022.
O Centronave, que reúne empresas de navegação, afirma que a visibilidade futura ainda é limitada, mas que se trata de “uma situação temporária, à medida que os fluxos logísticos globais comecem a normalizar-se até o início de 2022”, afirma Claudio Loureiro de Souza, diretor-executivo.
Como os navios encomendados pelas empresas de navegação deverão chegar só a partir de 2023, até lá, não haverá significativo aumento na capacidade, e tudo dependerá da evolução da demanda nos mercados globais, avalia Barreto. A partir de dezembro, com a temporada baixa, a expectativa é que o enorme estoque de encomendas que vêm se acumulando comece a ser liberado. “Mas estamos longe de voltar aos níveis pré-pandemia”, diz ele.
Fonte: Valor Econômico