País com vocação agrícola, o Brasil tem agora transformado esse potencial também em celeiro de startups do agronegócio e fundos que investem em empresas nascentes, os chamados Venture Capital (VCs).
Em 2010, os fundos investiram no país, entre diversos setores, R$ 35 milhões, número que saltou a R$ 10,8 bilhões em 2019, segundo a Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (Lavca) e o agronegócio foi decisivo para o avanço.
Em relatório, a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e a consultoria KPMG informam que, dos R$ 10,8 bilhões captados no Brasil em 2019, 4% foram para empresas da cadeia agropecuária. Até o terceiro trimestre de 2020, de R$ 11 bilhões, as agritechs respondiam por R$ 417 milhões, 3,8%, mesmo sob os efeitos da pandemia.
Somente a gestora SP Ventures fez três aportes em agtechs com atuação relevante no Brasil em 2020, pelo fundo Agventures II, que tem 90% do seu capital vindo de investidores estrangeiros.
Com mais de R$ 130 milhões em conta hoje, o fundo pretende fechar sua captação em junho de 2021 com US$ 50 milhões a US$ 75 milhões (teto de aproximadamente R$ 300 milhões), e mira formar uma carteira com 25 startups em quatro anos.
Por ora, já estão entre seus financiadores gigantes como Mosaic e Adisseo, Basf Venture Capital, Syngenta Ventures, o FoF Capria e o BID Labs, braço de inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Com esse time, a SP Ventures investiu na Leaf, de infraestrutura de dados de alimentos e agricultura; na fintech Traive, de crédito e seguro agrícola, e no marketplace argentino Agrofy, que tem no Brasil seu principal mercado e captou US$ 23 milhões, em uma das maiores rodadas para agtechs já vista na América Latina.
“Há pouco mais de 14 anos, quando a SP Ventures nasceu, havia pouco dinheiro de Venture Capital no Brasil e nosso objetivo não era focar em agtechs”, lembra Francisco Jardim, fundador da gestora. Mas, nos primeiros anos, conversas com mais de 100 empresas apontaram para as oportunidades de transformação tecnológica no campo.
“Entendemos que sem especialização não conseguiríamos agregar valor ao mercado e aproveitar seu potencial”, diz Jardim. Os principais alvos da gestora hoje são agtechs de biológicos, logística, rastreabilidade, crédito e ecommerce. Em todas as frentes, o apelo é grande por serviços que garantam o compliance social, ambiental e de governança do setor (ESG, na sigla em inglês).
A KPTL, gestora com foco em tecnologia e inovação que tem uma carteira de R$ 1 bilhão com 52 investidas, também aposta forte em agtechs e no viés de ESG, e desde 2008 alocou R$ 50 milhões em 17 empresas do agro. A meta é injetar mais R$ 200 milhões nos próximos anos e aumentar o portfólio hoje com nove agtechs. Duas delas, foram investidas em 2020, a Agrotools, plataforma de inteligência para o agronegócio, e a Gestão Agropecuária (GA), de pecuária de precisão.
Em 2021, foi a vez da Ecotrace, de rastreabilidade, que recebeu R$ 3 milhões da KPTL oriundos do fundo Criatec 3, que tem entre os principais cotistas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Renato Ramalho, CEO da KPTL, afirma que o prazo de maturação das investidas da gestora é de oito a dez anos, em linha com outros VCs. Com a Rizoflora, vendida à Stoller do Brasil em 2016, por exemplo, os investidores tiveram taxa de retorno anual de 25,8%. Já a Arvus, de agricultura e silvicultura de precisão, adquirida pela sueca Hexagon em 2013, retornou 41,4% anuais.
A Enalta, de automação agrícola, deixou os investidores no zero a zero. “Somos bem rígidos na escolha das startups. Entrevistamos em torno de 4,8 mil nos últimos anos, para investir em 90”, conta Ramalho. Um dos principais critérios da KPTL é a propriedade intelectual. Suas próximas apostas serão em startups de avicultura e clima.
Na Barn Investimentos, fundada por Flavio Zaclis, a primeira tacada no agronegócio saiu melhor do que encomenda. Com larga experiência no setor, ele foi o primeiro a apostar fichas na mineira Strider, de manejo de pragas, comprada em 2018 pela múlti suíça Syngenta. Sozinha, a Strider multiplicou por 16, em quatro anos e meio, o milhão de dólares que a Barn aportou nela.
E, no cômputo de uma carteira com outros dois ativos, ajudou a pagar quatro vezes o valor investido. As apostas mais recentes da Barn, do fim de 2019 para cá, foram na Agritask, de seguro e crédito agrícola, na Avicanna, de maconha medicinal, e na Grão Direto, plataforma de comercialização de commodities. Até o momento, o valor investido em agtechs soma R$ 25 milhões e em 2021 novos aportes estão a caminho.
Para Bruno Yoshimura, sócio cofundador da ONEVC – que estreou no agro liderando um aporte de US$ 2 milhões na agfintech TerraMagna em setembro de 2020, e aportou desde 2018 US$ 24 milhões, de um total de US$ 30 milhões, em outras 19 empresas de setores variados o agronegócio brasileiro tem potencial para construir agtechs grandiosas, com chance de venda para multinacionais e de abertura de capital no Brasil ou mesmo no exterior.
“O que me impressiona é como muitas agtechs encontraram até aqui maneiras alternativas de se financiar. Há espaço para captar recursos no mercado e investir nelas mais cedo.”
Fonte: Valor Econômico.