Os estoques globais de alimentos estão agora menores do que no começo da pandemia de covid-19, e essa queda mantém os preços agrícolas sob pressão de alta no mercado internacional. Esse é o resumo da avaliação feita na semana passada por Máximo Torero, economista-chefe da Organização das Nações para Agricultura e Alimentação (FAO), em entrevista concedida ao Valor.
Torero também chamou a atenção para a crescente concentração das reservas de alimentos em alguns poucos países. A China controla a vasta maioria. No caso dos cereais, por exemplo, o país asiático tem 49% das reservas mundiais. Somados os volumes estocados em Estados Unidos, Índia, Europa, Brasil, Argentina e Rússia, o percentual alcança 76%.
A FAO já indicou que a demanda mundial por cereais deverá atingir 2,809 bilhões de toneladas nesta safra 2021/22, que começou em setembro, e os estoques finais da temporada ficarão em 809 milhões de toneladas. A relação entre os estoques e a utilização desses produtos no mundo deverá ficar em 28,1%, abaixo do nível de 2020/21 (29%) e de 2019/20, quando o percentual superou 30%. Mas o patamar ainda indica uma situação de abastecimento relativamente confortável, bastante superior à observada em 2002/03 e em 2013/14 média de 24,3%.
Reservas concentradas
Para Torero, a concentração desses estoques mais justos em poucas mãos pode, de um lado, ter um efeito estabilizador sobre os mercados internacionais, com segurança sobre a disponibilidade de suprimentos. De outro lado, entretanto, o fato de volumes robustos serem mantidos por grandes países com imenso consumo de alimentos, como China e Índia, significa que as reservas “podem ser menos sensíveis aos sinais de preços globais no caso de choques que também afetem seus mercados domésticos”.
Quando os estoques estão concentrados em países exportadores, como acontece no quadro de oleaginosas como a soja (ou a palma), as cotações tendem naturalmente a reagir de maneira mais contundente a esses choques. “Além disso, quaisquer mudanças políticas que afetem os estoques ou ações para acumular ou liberar grandes quantidades de reservas provavelmente terão fortes repercussões nos mercados mundiais’’, diz Torero.
Conforme a FAO, a queda nos estoques, pela quarta campanha agrícola consecutiva, é atribuída a retiradas de volumes de trigo e cevada, enquanto os volumes de milho e arroz deverão aumentar.
Estoque/utilização
Torero lembra que no início da crise dos preços dos alimentos de 2007/08, a relação estoque/utilização de cereais estava nos níveis mais baixos em muitos anos. No caso dos choques tanto de oferta quanto de demanda na época do lado da oferta, menores produção na Austrália, União Europeia e Estados Unidos; e do lado da demanda, uso crescente de milho para biocombustíveis, a baixa relação estoques/utilização foi considerada o pré-requisito para os picos de preços.
“Estoques baixos não são condição suficiente para aumento da volatilidade de preços, mas sob quase todas as circunstâncias, são uma condição necessária”, afirma Torero. “Em geral, amplos estoques de alimentos podem fornecer um colchão contra choques exógenos de oferta e demanda, evitando a escassez e infundindo confiança nos mercados”, diz ele.
Para o economista-chefe da FAO, as altas significativas de preços dos alimentos em relação aos níveis pré-pandêmicos foram impulsionadas por fatores como movimentos nos mercados de câmbio e energia e a dinâmica de oferta e demanda. Em agosto, o índice de preços de alimentos da FAO ficou 33% maior que um ano antes. As cotações dos cereais e dos óleos vegetais foram as que mais contribuíram para o aumento dos preços internacionais dos alimentos, embora as cotações de açúcar, laticínios e carnes também tenham subido.
Risco à economia
“O aumento dos preços dos alimentos está entre os riscos de médio prazo que podem minar os esforços para melhorar a situação da segurança alimentar em muitos países”, alerta Torero. Ele avalia que a pandemia é “apenas a ponta do iceberg” e considera que a crise sanitária expôs as vulnerabilidades dos sistemas alimentares como resultado de conflitos, variabilidade e extremos climáticos, por exemplo.
Em alguns países, como na África, pragas gafanhoto-do-deserto e lagarta-do-cartucho provocam peso extra no fornecimento de alimentos. Isso ocorre cada vez mais simultaneamente em vários países e, segundo Torero, compromete seriamente a segurança alimentar e nutricional.
Perspectivas do Brasil
Em relação ao comércio e às perspectivas do Brasil, a constatação da FAO é que a oferta de milho pelo país diminuirá em 2021/22 por causa de queda de 15% na colheita deste ano em relação ao recorde do ano passado. Também há uma crescente utilização doméstica do cereal impulsionada pela forte demanda por ração por parte da indústria de aves e suínos. As exportações de milho do Brasil deverão cair na temporada internacional 2021/22 para seu patamar mais baixo em três temporadas.
Em contraste, a agência da ONU vê melhora no fornecimento de trigo do Brasil em 2021/22 com uma colheita farta — embora problemas climáticos estejam levando a reduções nas estimativas de produção. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), serão mais de 8 milhões de toneladas, um recorde, mas no mercado já há quem projete menos de 6 milhões.
Fonte: Valor Econômico