A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisa em detalhes os passos da compra de 24,23% da BRF pela Marfrig. Os próximos passos do órgão regulador sobre o negócio vão depender de suas conclusões sobre como se deu a operação. O Valor já havia noticiado que a autarquia abriu na própria sexta-feira, quando a transação foi anunciada, um processo para acompanhar notícias e fatos relevantes relacionados ao tema.
As “negociações atípicas” das ações da BRF foram questionadas desde quarta-feira passada. E a empresa afirmou, no dia seguinte, não ter informações sobre o que poderia estar influenciando a oscilação dos papéis. A resposta veio na sexta-feira, quando a BRF recebeu a comunicação da Marfrig e divulgou o aumento da participação da concorrente ao mercado.
As regras sobre participação acionária relevante estão previstas no artigo 12 da instrução 358 da CVM. Uma negociação é considerada relevante quando um investidor alcança para cima ou para baixo os patamares de 5%, 10%, 15%, e assim sucessivamente, de ações de uma empresa. Quando isso ocorre, a companhia-alvo deve ser comunicada imediatamente. Cabe ao diretor de relações com investidores o dever de divulgar essas informações ao mercado.
É preciso dizer quem está adquirindo ou vendendo posições e se os negócios pretendem alterar o controle ou a estrutura administrativa da companhia. Questionada pela CVM, a BRF disse que foi informada da aquisição pela Marfrig apenas na sexta-feira, quando divulgou comunicado ao mercado.
“A instrução 358 trata das informações que a companhia deve prestar. São dados que têm potencial de influenciar na decisão de compra ou venda do valor mobiliários dessa companhia”, diz Marcos Sader, sócio do escritório i2a. O advogado diz que o objetivo é evitar “desequilíbrio informacional”, que pode ocorrer quando um investidor tem uma informação relevante sobre certo participante do mercado e outros não. Um movimento de um gestor ou de grande investidor em uma empresa pode gerar atenção de outras pessoas pelo ativo.
Não é incomum que infrações que envolvem divulgação de informações sejam resolvidas com acordos na CVM. Em casos que vão a julgamento, se há condenação, a violação não costuma ser considerada grave. Mas, como de praxe, o caso concreto será analisado.
Oficialmente, a Marfrig diz que não pretende eleger membros para a administração da BRF, exercer influência sobre as suas atividades ou promover alterações no controle ou na estrutura administrativa. A BRF tem o capital pulverizado. Até então, seu maior acionista era a Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, com pouco menos de 10%. Com a participação que obteve, a Marfrig tem condições de influenciar as decisões, uma vez que se tornou, no jargão de mercado, um acionista de referência.
“Provavelmente, a questão envolve ‘escalada acionária’, que são os casos em que há aquisição progressiva de pequenos lotes de ações em bolsa de valores, até que o comprador reúna, sob sua propriedade, ações em quantidade suficiente para obter participação relevante, quiçá, poder de controle”, diz o advogado João Pedro Nascimento, sócio do JPN Advogados e professor da FGV Direito Rio.
Foi assim com a tomada de controle da Cervejaria Brahma em 1989, por iniciativa do Banco Garantia, liderado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Herman Telles e Carlos Alberto Sicupira. As regras atuais também têm por objetivo evitar que o mercado seja surpreendido, como ocorreu daquela vez. O fundador e controlador da Marfrig, Marcos Molina, afirmou ao Valor que não pretende unir as empresas.
Fonte: Valor Econômico