Produtores pedem mudança no período de plantio, mas empresas e pesquisadores são contra
A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), com o apoio de mais de 30 sindicatos rurais, reivindica que seja feita no Estado uma alteração na data de plantio de soja para a produção de sementes salvas, insumo para uso próprio na safra seguinte. A semeadura para esse fim só pode ser feita até 31 de dezembro, mas a entidade já apresentou à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, um estudo que indica que fevereiro é o mês ideal.
A mudança, contudo, divide opiniões de agricultores e pesquisadores e já foi judicializada, com a aplicação de multas milionárias a produtores que realizaram testes fora do calendário definido. Empresas de biotecnologia e sementeiras são contrárias à alteração sugerida pela Aprosoja-MT, sobretudo por temerem o avanço da ferrugem asiática, principal doença que afeta o cultivo de soja.
Discussão envolve número de aplicações de fungicidas e possível aumento nos ciclos de infestação da ferrugem
A Aprosoja-MT realizou testes nas safras 2018/19 e 2019/20 e comparou o calendário oficial com o plantio em fevereiro, considerando o número de aplicações de fungicidas necessárias para combater a ferrugem asiática para avaliar a melhor janela para produção de sementes de soja. “Nos dois experimentos, tivemos média de quatro a cinco aplicações em fevereiro contra sete a oito em dezembro, por conta do volume da chuvas menor nesta época do ano”, afirma o pesquisador Erlei Melo Reis, do InstitutoAgris, contratado como consultor pela entidade por meio da Fundação Rio Verde.
Ele garante que a extensão do plantio não interfere no vazio sanitário de 15 de junho a 15 de setembro no Estado e que não restam plantas vivas de soja no campo nesse período, o que limitaria a ocorrência de ferrugem. Por conta dos experimentos na safra2019/20, a Aprosoja-MT foi condenada a pagar R$ 500 mil em multas pela Vara Especializada de Meio Ambiente de Cuiabá (MT), além de R$ 50 mil por dano ambiental coletivo, do qual avalia se irá recorrer. A caução pedida pelo Ministério Público no caso era de R$ 3 bilhões. A associação afirmou, em nota, que a presença de ferrugem foi “mínima” e que a decisão pode ser anulada, já que não houve perícia técnica para comprovar o dano, “prova cerceada na sentença”.
Carlos Ernesto Augustin, vice-presidente da Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat), disse que a discussão vai além do número de aplicações de fungicidas. Segundo ele, a semeadura em fevereiro implicaria em maior tempo com soja no campo, de setembro a maio, favorecendo novos ciclos de infestação da ferrugem.
Ao somar a janela de cultivo do grão e da semente, afirmou, o ecossistema estaria exposto a quase dez aplicações anuais de fungicidas, o que pode agravar a resistência da doença. “A ferrugem quase acabou com a soja em Mato Grosso, precisamos lembrar disso. E plantando mais cedo tivemos uma mudança tecnológica, que permitiu ampliar também a safrinha de milho”.
Lucas Costa Beber, diretor administrativo da Aprosoja-MT e vice-presidente recém-eleito da entidade, disse que os produtores reivindicam plantar a semente em fevereiro porque as condições climáticas são mais favoráveis e dispensam equipamentos profissionais, como o secador além de facilitar a armazenagem, pela proximidade da safra. “Com 3% a 5% da sua área plantada com sementes, o produtor conseguiria salvar o necessário para o ciclo seguinte e plantar o milho safrinha”.
A Embrapa é contra a liberação da semeadura da soja em fevereiro pelo risco gerado pela pela extensão da “ponte verde”, a sequência ininterrupta de lavouras no campo. A estatal reitera o potencial de aceleração da resistência da ferrugem aos fungicidas e indica outubro e novembro como melhor época para o cultivo.
“O plantio em fevereiro pode apresentar menor severidade e menor ocorrência da doença, principalmente pela redução da frequência de chuvas. Porém, isso não significa ausência do fungo, o que resulta em proliferação da doença, que a cada nova geração se torna menos sensível ao controle químico”.
A Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) e a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Abrass) defendem as diretrizes técnicas da Embrapa e dizem não haver interesse econômico, mas sim sanitário. “A semente salva está na lei, o produtor pode salvar. Nada contra, mas na época correta”, afirmou Tiago Fonseca, presidente da Abrass.
O Ministério da Agricultura não quis se manifestar oficialmente. Ao Valor, o secretário de Política Agrícola, César Halum, que participou da reunião no início de outubro com os produtores mato-grossenses, disse que é a ciência que vai determinar a decisão. “Aministra pediu e a Embrapa e a Secretaria de Defesa Agropecuária vão acompanhar o tema. Não vai ter preferência, a ciência vai analisar. O Brasil não pode é perder a qualidade que tem na sanidade dos produtos”.
Fonte: Valor Econômico