É o que mostra estudo encomendado pela associação Viva Lácteos ao Cepea
O fim da desoneração da cesta básica, previsto em uma das propostas da reforma tributária em debate no Congresso Nacional e em constante análise pelo governo federal, poderá sobrecarregar o setor produtivo e desencadear uma série de problemas econômicos e sociais no campo. Só na cadeia leiteira, a carga tributária deve aumentar em média 20% com a medida e imputar um custo extra de R$ 7,4 bilhões por ano no bolso de produtores e laticínios.
É o que aponta estudo encomendado pela Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos) ao Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/Esalq/USP). “Alguém vai ter que pagar pelo aumento dos impostos, a população ou o produtor. Uma elevação dessas é suficiente para quebrar qualquer empresa”, afirma Marcelo Martins, diretor-executivo da Viva Lácteos. Segundo o estudo, a cobrança dos tributos federais sobre leite e derivados vai elevar os preços nas gôndolas e tende a diminuir o consumo e o gasto das famílias brasileiras com os produtos, prejudicando os mais pobres.
Nos cálculos da Viva Lácteos, o imposto único de 25% previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, em discussão na Câmara dos Deputados, vai elevar os preços do leite UHT em 16,9%, os do leite em pó em 17,5%, os do queijo muçarela em 22,5% e os dos iogurtes em 25%. Esses produtos representam 75% dos alimentos processados pela indústria de laticínios do Brasil – que teria que arcar, junto com os pecuaristas, com o aumento de R$ 7,4 bilhões por ano nos custos de produção.
Segundo Martins, o impacto seria sentido diretamente pelo consumidor mais pobre, já que o gasto fixo com transporte e habitação das 50 milhões de famílias com renda per capita entre R$ 453 e R$ 1,2 mil é de cerca de 70%, despesa difícil de eliminar ou reduzir. “Eles não vão ter capacidade de suportar o aumento da carga tributária sobre os alimentos”, afirma. Com poder aquisitivo menor, o valor usado para a compra de leite UHT cairia 5%. Já o consumo de queijo muçarela, por exemplo, recuaria 11%.
O fim da desoneração foi retirado na última hora do projeto de lei governo que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de 12%, mas a medida ainda faz parte dos planos da equipe econômica. A proposta encaminhada recentemente ao Congresso mantém a isenção da cesta básica, mas prevê o estorno de créditos tributários, calculados em R$ 2,2 bilhões sobre leites e derivados – que teriam que ser absorvidos na cadeia produtiva, ainda nas contas da Viva Lácteos.
Desoneração
A desoneração em vigor inclui produtos como arroz, feijão, leite, pão, legumes, carnes, café, açúcar, óleo de soja, entre outros, e custou ao governo R$ 18 bilhões em 2019, 5% de todos os subsídios tributários concedidos pela União. Um dos objetivos em estudo é usar parte do dinheiro que passará a ser arrecadado, caso o tema avance e seja sancionado, para aumentar o valor do benefício do Bolsa Família em R$ 25 ou para outra forma de restituição aos mais pobres.
O argumento é rebatido pelo coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon. “Estão misturando política tributária com social. É um caminho perigoso e uma porta que se abre para aumentar a tributação”. Ele reforça que o setor concorda com as diretrizes de simplificação da reforma tributária, mas teme que os produtores tenham que pagar a conta de medidas como essa.
O possível incremento no Bolsa Família beneficiaria 14 milhões de famílias, contingente abrangido pelo programa atualmente, mas parcela significativa da população vulnerável teria aumento de custo com alimentação. “A medida prejudica 53% das famílias de baixa renda, que pagarão muito mais pelos alimentos”, diz Marcelo Martins. Cerca de 10% do valor adicional dos R$ 25 no benefício social teria que ser gasto para bancar a elevação de preços apenas do leite e do queijo para a preservação do consumo atual. “Não há simplificação em fazer a população mais carente pagar mais caro pelo alimento para depois receber o valor referente ao impacto gerado no preço do produto”, conclui.
O setor também reclama que o fim da desoneração vai diminuir a competitividade dos produtos brasileiros frente aos importados e prejudicar a relação após a ratificação do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. “É um belo aumento de competitividade para os nossos concorrentes, para abastecer o mercado brasileiro de produto importado”, reforça Martins.
A CNA espera que a desoneração seja mantida ou que as propostas sejam modificadas para estabelecer uma alíquota diferenciada que não prejudique os produtores e eleve o preço da comida. “A Constituição prevê direito à alimentação e permite a tributação diferenciada e o tratamento adequado ao alimento justamente para garantir comida na mesa dos menos favorecidos”, explica o advogado tributarista Eduardo Lourenço, sócio do Maneira Advogados.
Para o pobre e para o rico
O relator da PEC 45, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mostra alinhamento com o setor produtivo e procura o “melhor formato” para acomodar a demanda no texto, que pretende concluir até o fim do mês. Em evento online na semana passada, ele não garantiu a desoneração completa, mas disse que é preciso corrigir algumas distorções. Uma delas é a presença de produtos mais “nobres” na cesta básica, como salmão, e a ausência de alimentos “fundamentais”, como o ovo. “Quando desonero, serve para o pobre e para o rico. Vamos buscar o melhor formato que não interfira no preço. Talvez seja necessário tratar especificamente alguns produtos. A preocupação da política é fazer com que a desoneração chegue a quem precisa”, afirmou. O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, defendeu a desoneração completa da alimentação humana e animal e da folha de pagamento das empresas, medida vetada recentemente pelo governo. Do contrário, afirmou, haverá impacto na mesa do consumidor e nas exportações. “Queremos um tributo neutro que não venha a fazer diferença e dê competitividade às nossas empresas. Se não desonerar a cesta pode ter diminuição grande de consumo e se voltar a reonerar a folha, no outro dia esse imposto está no preço que estou vendendo lá fora”, destacou o executivo.
Fonte: Valor Econômico