Seus representantes defendem que compromisso da empresa em rastrear 100% do gado que abate seja adotado pelos demais frigoríficos do país, e que o governo federal faça sua parte
O tabuleiro mudou, e o nome do jogo agora é “inclusão”. A palavra foi usada à exaustão na webinar que ontem marcou o anúncio dos compromissos da Marfrig Global Foods com a sustentabilidade ambiental de sua cadeia de suprimentos nos próximos cinco e dez anos, em referência aos fornecedores indiretos de gado da companhia de carne bovina, que são mais difíceis de serem monitorados.
Mas, tendo em vista as declarações de representantes de organizações da
sociedade civil e do Ministério Público Federal que participaram do evento, também poderia servir para os demais grandes frigoríficos do país, instados a também entrarem com mais ambição nesse barco, e para o governo federal, cobrado para acelerar a implantação das políticas preservacionistas existentes e melhorar a fiscalização para coibir as irregularidades.
Como adiantou, a Marfrig, segunda maior indústria de carne bovina do mundo, atrás da JBS, se comprometeu a rastrear a origem de 100% do gado que compra no bioma amazônico até 2025, de fornecedores diretos e indiretos. Até 2030, pretende conseguir fazer a mesma coisa com os animais criados no Cerrado, ainda em segundo plano quando o tema é desmatamento.
Pecuária Brasileira
Na pecuária brasileira, a maior parte do rebanho bovino total de mais de 210 milhões de cabeças – mais de 40 milhões delas são abatidas todos os anos – está na Amazônica e no Cerrado. No bioma amazônico, a Marfrig já monitora 26 milhões de hectares, onde estão todos os seus fornecedores diretos, e a ordem agora é saber exatamente quem todos os diretos.
“O desafio é grande. Vamos dobrar os investimentos em sustentabilidade nos próximos anos [foram R$ 260 milhões na última década], tendo como norte a manutenção e a recuperação das florestas. E [a adoção de] medidas de inclusão de produtores é parte desse sucesso”, disse Marcos Molina, fundador e controlador da Marfrig. Entre essas medidas, estarão o apoio ao acesso a financiamentos e à assistência técnica.
No segmento, é comum um produtor cuidar da cria dos animais e depois passá-lo para frente, para outros cuidarem de recria e engorda. Este último elo entrega o animal ao frigorífico e já não tem mais como sonegar informações, diante da postura mais responsável da maior parte das empresas do ramo e das tecnologias disponíveis. Mas o início da engrenagem, muitas vezes, ainda é um mistério.
Mecanismos Financeiros Inovadores
“Precisamos ir além”, disse Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade e comunicação da Marfrig. “Nos últimos dez anos [os grandes frigoríficos assinaram acordo para evitar o desmate da Amazônica em 2009], as políticas adotadas [pelo segmento] foram de exclusão. Isso não resolve o problema. Temos que mudar o foco para incluir os pecuaristas, com mecanismos financeiros inovadores, assistência técnica e sistema de controle e monitoramento”, disse o executivo.
Mauricio Voivodic, CEO da WWF Brasil, reiterou, em breve participação em painel no evento virtual que se seguiu à apresentação dos compromissos da companhia, que o movimento é importante para a Marfrig e para o segmento como um todo, uma vez que a pecuária ainda é um vetor importante para o desmatamento da Amazônica e do Cerrado.
“Espero que sirva de referência”, afirmou. Mas fez uma observação relevante: para grileiros ou produtores ilegais e terras indígenas, por exemplo, a opção deliberada é mesmo a “exclusão”. Na mesmo painel, o procurador da República Daniel Azeredo lembrou que, em larga medida, que essa opção é facilitada pela facilidade com que o gado dessas áreas entram no mercado, normalmente com documentações, como Guia de Trânsito Animal (GTA), irregulares.
Outro problema apontado pelo procurador é a lentidão no processo de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos produtores. Auto-declaratório, o CAR tem que ser validado pelos Estados, e menos de 10% dos documentos entregues por mais de 90% dos agropecuaristas foram de fato checados até agora.
Joost Oorthuizen, CEO global da ONG IDH – The Sustainable Trade Initiative, lembrou ainda, na Holanda onde estava, que cada vez os consumidores europeus – e a Comissão Europeia – querem ter certeza que tudo o que compram é livre de desmatamento. “Para nós, na Europa, todo o foco na proteção das florestas e comércio sustentável só tende a crescer”, disse.
E Oorthuizen também cobrou, de maneira bem-humorada, metas mais ambiciosas dos frigoríficos brasileiros – e da própria Marfrig. “Se prometemos menos e entregamos mais, é ótimo”.
Fonte: Valor Econômico