A cultura, que vive momento de otimismo no país, ganha cada vez mais destaque por sua liquidez e avanços genéticos
Quando são olhados os números, é evidente o crescimento em importância da cultura do trigo nos últimos anos. Da safra de 2021 para cá, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deverá contar com uma produção cerca de 22% maior, colhendo 9,3 milhões de toneladas do cereal.
O número, junto à ampliação do plantio em regiões mais tradicionais, assim como em novas áreas, como o Cerrado, não só representa mais uma colheita recorde para o país, a segunda consecutiva, como também é um indicativo da confiança que a cultura vem tendo para os agricultores durante o período do inverno. As razões para isso são muitas, passando por todos os elos da cadeia tritícola, mas é na liquidez da cultura que o produtor encontra a razão principal para essa segurança. As épocas em que o agricultor tinha dificuldades para vender sua produção ficam cada vez mais distantes no retrovisor. Ao olhar para frente, novas oportunidades não param de surgir, tornando a cultura atrativa e confiável.
Como tudo na vida, as mudanças não acontecem de forma imediata. Para a chegada do atual cenário no mercado de trigo, foram necessárias diversas etapas ao longo de anos. Conforme o gerente comercial da Biotrigo para a América Latina, Fernando Michel Wagner, a primeira delas surgiu do diálogo.
“Do ponto de vista da qualidade, a cultura do trigo começou a mudar a partir do momento em que os diferentes elos da cadeia produtora começaram a conversar, para que as especificações de cada produto pudessem ser atendidas dentro dos programas de melhoramento genético”, afirma.
Com o aspecto da qualidade industrial do trigo passando a ser considerado uma das prioridades das obtentoras genéticas, as cooperativas e cerealistas também visaram melhorias no processo de armazenamento desses grãos. “Quando houve um esforço no sentido de entender a característica do que estava sendo produzido no campo e, em contrapartida, a adoção de algumas estratégias que, em diversas situações, permitiram a preservação da identidade dessa produção, o avanço ficou claro”, destaca.
Em paralelo à preocupação com as especificidades exigidas pelo consumidor final, a produtividade e a segurança no campo também foram tratadas como prioridade, para que “o trigo pudesse ir ao campo produzindo aquilo que interessa ao agricultor, sem sofrer com as intempéries que podem interferir com a qualidade que está ali na semente”, ressalta Wagner.
As constantes evoluções genéticas na cultura do trigo ofereceram ao produtor relevantes impactos em sua produção. “Atualmente, o agricultor olha o trigo como um gerador de benefícios, tanto agronômicos, quanto financeiros.
Agronomicamente, o trigo gera melhorias na fertilidade do sistema, no manejo de ervas daninhas e na proteção do solo contra erosões, impactando diretamente a cultura sucessora, geralmente a soja. E financeiramente, o produtor passou a ganhar dinheiro no inverno”, afirma. Segundo Fernando, o produtor não possui mais apenas a via dos moinhos, que ainda é muito importante, para comercializar sua produção.
“Temos ainda, especialmente no Rio Grande do Sul, o mercado de exportação, que no último ciclo foi fundamental. Há também a indústria de proteína animal sinalizando a demanda por grãos que não sejam milho, devido à redução na produção desse cereal nas regiões mais frias do país. E, além de outras vias, como as das indústrias de biscoito e massas, a cultura do trigo contou com a criação de um novo mercado, o de etanol, que vem sinalizando um consumo importante para um futuro próximo”, aponta.
A consolidação da qualidade do trigo nacional
Para a indústria moageira, é clara a melhoria contínua na qualidade do trigo, como afirma o superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Eduardo Assêncio.
“A partir de um grande esforço de aproximação dos moinhos com o setor produtivo, tivemos, de forma relativamente rápida, uma adequação da qualidade do trigo nacional. Anteriormente, esse trigo tinha como característica um glúten mais fraco, e como o nosso mercado é fortemente voltado para glútens mais fortes, essa migração aconteceu. Ou seja, houve um alinhamento das qualidades das cultivares em relação às necessidades do mercado”, indica.
Se as 9,3 milhões de toneladas de trigo previstas pela Conab para esta safra se concretizarem, desde 2017 o Brasil terá mais que dobrado sua produção do cereal. Segundo Assêncio, a crescente oferta do grão é positiva ao país. “Para a indústria, o mais importante é que haja oferta de trigo nos preços mais atrativos possíveis, em condição de isonomia de competitividade. Por ser uma commodity mundial, o trigo nacional terá que ser competitivo. Isso vai definir a via de comercialização, seja ela interna ou para exportação”, indica.
O trigo nacional rompendo fronteiras
A via de exportação, por sinal, vem crescendo ano após ano no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul. De acordo com o presidente da Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL), Caio Vianna, a existência desse mercado é de extrema importância para o país, principalmente sob o ponto de vista da sustentabilidade do agronegócio. “O Brasil como um todo não pode mais fazer uma safra por ano. E nessa visão, o trigo se torna uma cultura muito importante para esse conjunto, visando com que os agricultores consigam ter mais oportunidades de renda na propriedade rural”, assinala. Conforme Vianna, é preciso ter alternativas comerciais, e o Rio Grande do Sul tem se caracterizado nos últimos anos por esse fator. “Vejo o mercado de exportação consolidado no estado, pois o trigo gaúcho tem uma valorização, especialmente pelo alto teor de proteína, que gira em uma média de 13%”, comenta.
Um reforço para a indústria de proteína animal
A necessidade de alimento para a indústria de proteína animal no Sul do país, em especial no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, gera uma alta demanda pelo milho. Porém, com as frustrações da cultura nas últimas safras, somada à ampliação da soja nesses estados, os estoques de milho reduziram consideravelmente. Esse fator, por sua vez, vem dando espaço de crescimento ao trigo, que pode ser substituído em boa proporção na dieta dos animais. O déficit na oferta do milho à indústria de proteína animal também foi um dos fatores que motivaram o surgimento do programa Duas Safras, criado pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), em conjunto com outras instituições, o qual incentiva a produção de cereais de inverno no estado, em especial o trigo. “Estamos dando cada vez mais ocupação à mão de obra, melhorias de condição do solo e renda ao produtor, além do mercado de alimentação animal ter mais uma oportunidade diferenciada”, destaca o presidente do conselho da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra. Conforme Turra, não é concebível que um estado como o Rio Grande do Sul tenha 7 milhões e meio de hectares destinados às culturas da soja, milho e arroz, por exemplo, e pouco mais de um milhão de hectares para culturas de inverno. “Precisamos ampliar a nossa área e produção e, com isso, estaremos ajudando o Brasil a se tornar autossuficiente na produção de trigo e de diferentes culturas de inverno”, cita.
Combustível que vem do inverno
Em consonância com essa necessidade de ampliação da área de trigo, um novo mercado surgirá, a partir de 2024. Trata-se da indústria de etanol, que representa mais uma oportunidade na cultura. “Ela irá garantir ao produtor uma maior segurança e tranquilidade nos seus cultivos de inverno, rentabilizando a propriedade, rotacionando seus campos e diluindo seus custos fixos”, atesta o presidente da BSBIOS, Erasmo Batistella. O projeto da empresa, que é a maior produtora de biodiesel do país, prevê o processamento de mais de 540 mil toneladas de cereais de inverno por ano, com o predomínio do trigo, através de cultivares com características específicas a esse fim, para suprir essa demanda. Adicionalmente, esse processo de transformação dos cereais em etanol gera um importante coproduto, os grãos secos de destilaria com solúveis, ou DDGS na sigla em inglês. “Esse projeto prevê a produção de 155 mil toneladas por ano de DDGS, que será comercializado com fábricas de empresas produtoras de ração animal. Por ser um alimento com elevado potencial de proteína, acima de 32%, em média, tem todas as condições de compor as mais diferentes rações consumidas para produção animal”, destaca. E apesar dessa oportunidade ter surgido, inicialmente, no Rio Grande do Sul, de acordo com Fernando Michel Wagner, há a indicação de expansão desse mercado, no futuro, para estados como o Paraná. “Será um reforço para mais uma via de comercialização de trigo na região Sul do Brasil. Esse panorama, sem dúvidas, gera mais rentabilidade e liquidez ao agricultor, aumentando sua taxa de sucesso na cultura”, finaliza.
Fonte: Imprensa Biotrigo