Nas últimas semanas, as lavouras brasileiras de grãos passaram a enfrentar condições climáticas bem mais desfavoráveis do que as que marcaram o início do plantio da safra 2021/22. De um lado, na parte do país que inclui Mato Grosso do Sul e os Estados do Sul, o problema é a estiagem. De outro, em regiões que incluem Estados como Tocantins e Bahia, os produtores temem as perdas com o excesso de chuvas.
Em extremos climáticos opostos, essas áreas do território sofrem, cada uma a seu modo, com os efeitos do fenômeno La Niña, que já transforma em incógnita uma safra recorde que, até poucos meses atrás, era dada como certa.
Na última quinta-feira (06/01), um dia depois de o Paraná divulgar uma estimativa para sua safra de grãos quase 40% menor do que a anterior, uma redução diretamente associada à estiagem, o governo de Tocantins decretou estado de emergência em função do excesso de chuva. No Estado, um dos integrantes da área conhecida como Matopiba (formada também por Maranhão, Piauí e Bahia), ainda não há estimativa sobre as perdas com os problemas climáticos, mas os relatos se multiplicam.
Ocorrência do fenômeno La Niña pelo segundo ano seguido potencializa efeitos sobre lavouras do país
De acordo com o diretor da Associação dos Produtores de Soja do Tocantins (Aprosoja-TO), Maurício Buffon, as chuvas estão muito acima do normal. “Teremos sim, perdas por falta de enchimento de grão. Já encontramos várias lavouras com pontos de alagamentos, onde as máquinas não vão entrar”, relata.
Os problemas climáticos não foram exatamente uma surpresa. A ocorrência do La Niña fenômeno caracterizado pelo resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial, que altera o regime de chuvas no Sul e no Centro-Norte do Brasil já compunha as projeções meteorológicas para a temporada.
A questão é que, nas primeiras projeções, não se esperava que ele tivesse efeitos tão danosos quanto os que têm sido registrados agora (e é bom lembrar: na safra passada, em que também houve La Niña, a colheita de soja foi recorde).
Além disso, de acordo com o agrometeorologista Marco Antonio dos Santos, da Rural Clima, o fenômeno não é o único responsável pelos problemas. “Outro fator é o aquecimento das águas do Atlântico Equatorial, que banha o Nordeste. Esse fator potencializou a seca no Sul e intensificou os corredores de umidade no CentroNorte”, diz.
Em Mato Grosso, maior produtor nacional de soja, ainda não há registro de grandes problemas climáticos neste ciclo, mas o meteorologista alerta que o excesso de chuva poderá atrapalhar a colheita. “A segunda quinzena de janeiro tende a ter mais aberturas de sol dando chance para a colheita. Já a primeira quinzena de fevereiro fica mais úmida, e aí podemos ter um ‘caos’ na colheita, tanto de produção quanto logístico”, pontua.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) só divulgará sua nova projeção para a safra na semana que vem, mas consultorias privadas já acreditam que, em vez de recorde, a colheita brasileira de soja vai, na verdade, encolher em relação a 2020/21.
Nesta semana, a consultoria a americana StoneX cortou em mais de 11 milhões de toneladas a sua previsão para a produção de soja em 2021/22, que passou de 145,1 milhões para 134 milhões de toneladas. Caso a previsão se confirme, a colheita será 2,4% menor que a do ciclo passado, quando somou 137,3 milhões de toneladas.
Nesta quinta-feira, a AgRural divulgou uma estimativa ainda menor, de 133,4 milhões de toneladas. Também ontem, a AgResource Brasil reduziu sua estimativa em 10 milhões de toneladas, para 131 milhões de toneladas.
No momento, o caso mais preocupante é o dos paranaenses, que já calculam uma quebra de 8 milhões de toneladas em relação à expectativa inicial de colheita – a previsão do Departamento de Economia Rural (Deral) passou de 21 milhões de toneladas para 13 milhões. Se o desempenho se confirmar, será a menor colheita no Estado em uma década. O Paraná produziu 10,9 milhões de toneladas em 2011/12. Salatiel Turra, chefe do Deral, diz que o departamento considera que cerca de um terço dos 5,64 milhões de hectares semeados nesta safra foi perdido.
No último relatório de acompanhamento das lavouras, 31% da área cultivada foi considerada ruim, o que, na metodologia do órgão, significa que o prejuízo é irreversível. “Nessa condição, não tem mais como voltar à normalidade”, afirma. “É prejuízo na certa”.
Perdas bilionárias
Segundo levantamento da Secretaria de Agricultura do Paraná, as perdas causadas pela estiagem chegam a R$ 24 bilhões, sendo R$ 21,5 bilhões somente na soja o valor poderá diminuir ou aumentar a depender do câmbio e das cotações internacionais. No milho, estima-se prejuízos de R$ 2 bilhões, com uma quebra de 34%, para 2,7 milhões de toneladas.
No Rio Grande do Sul, as perdas devem ocorrer especialmente no milho verão, principal safra da cultura no Estado. A Emater-RS ainda está calculando os prejuízos, mas, segundo a consultoria StoneX, a quebra em relação à expectativa inicial, que era de colheita de 5,5 milhões de toneladas, chega a 3,1 milhões. “O milho já foi perdido. Se chover agora, com boas chuvas mesmo, pode-se estancar um ou outro prejuízo, mas já temos caso de lavouras com 100% de perda”, afirma Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater-RS.
A Federação das Cooperativas do Estado (FecoAgro-RS) prevê quebras de 59% para o milho sem irrigação e de 24% para a soja. Embora preocupante, a situação na soja é vista com mais otimismo. Isso ocorre porque, no Estado, o grão é semeado um pouco mais tarde, o que cria um calendário diferente de desenvolvimento da safra, em especial quanto à necessidade de chuvas. “No ano passado, o cenário foi parecido e tivemos uma belíssima safra. Neste ano, as chuvas começaram parecidas com as da temporada anterior, então ainda não dá para descartar uma melhora”, afirma Rugeri.
A boa notícia, diz o agrometeorologista Marco Antonio dos Santos, é que, até o fim do verão, as chuvas deverão ocorrer com mais frequência no Sul, sendo benéficas para a reta final da soja do Rio Grande do Sul e para a safrinha no Paraná. “As chuvas deverão ser mais constantes no Paraná e em Santa Catarina. Já no Rio Grande do Sul, uma ou outra frente fria pode falhar, mas modelos climáticos não apontam estiagem acima de 15 dias”, relata.
Os problemas também ocorrem em Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Os catarinenses falam em uma redução de 10% na produção de milho, para 2,4 milhões de toneladas. Para a soja, a quebra estimada é de 162 mil toneladas, com prejuízo em todo o setor agropecuário estimado em R$ 1,2 bilhão.
Fonte: Valor Econômico, adaptadas pela equipe MilkPoint.